Isaac Peres |
Itacoatiara é o nome da cidade localizada a 286 Km de Manaus em direção oeste. São encontradas na vazante do rio Amazonas que banha esta cidade, várias pedras pintadas, e nelas gravadas heliografias estranhas. Existem várias teorias sobre quem as pintou. Uma delas remonta aos finícios, povo desbravador e navegador que poderia ter passado por alí a procura de madeiras especias para a construção de grandes monumentos e templos, como aquele do Rei Salomão, por exemplo! Nada porém foi comprovado. “Ita” significa pedra e “coatiara” pintada, daí o nome da cidade.
Curiosidades a parte, vamos a nossa aventura.
Para obter maiores informações sobre a comunidade que existiu naquela cidade no princípio do século XX, fui entrevistar, na véspera de minha viagem a Itacoatiara, uma pessoa, seu nome: Esther Azulay Benchimol, na época com 87 anos (hoje 97 anos) de idade com saúde para dar e vender, e que Deus a conserve assim por muitos e muitos anos. Tia Esther, como sempre a chamei eu e quase todos que a conhecem, é uma lenda viva. Contou-me toda a sua infância e adolescência na cidade de Itacoatiara onde nascera. Deu-me nomes de famílias, o bairro onde viviam, me falou das “dezoito” (referência a dezoito casas de taipa construídas por ingleses e onde os judeus moravam inclusive a sua família), me contou da “revolução” de Itacoatiara...
Bem, essa revolução só iria compreender do que se tratava mais tarde quando estive na cidade. Enfim, deu-me informações suficientes para que pudesse começar a minha pesquisa. Sempre muito lúcida, risonha e com uma precisão incrível nos fatos e datas, tia Esther seria a chave principal para o sucesso desta reportagem e realmente o foi.
Antes de partir, obtive com o senhor Moisés Benarros Israel, correligionário de Manaus, com negócios em Itacoatiara, algumas informações importantes e que iriam me ajudar.
Chegando a Itacoatiara, resolvi começar pelo cemitério israelita. Como não era a minha primeira vez na cidade (quando fui shaliach em Manaus estive duas vezes em Itacoatiara para visitar o cemitério), não demorei em encontrá-lo. Porém, para minha surpresa, o mesmo estava coberto pelo de mato, o portão estava trancado e não pude me aproximar. O senhor Moisés Israael me dera um número de um celular pertencente a um de seus funcionários, quem guardava as chaves do portão do cemitério, mas não consegui contato com ele. Contentei-me em abrir o livro do Professor Samuel Benchimol Z´L – Eretz Amazônia - e ler o nome das almas que alí repousavam dizendo uma “hashkabá” (oração para pessoas já falecidas) para todos.
Não desanimei. O próximo passo seria encontrar a Galeria Professora Marina Penalber e falar com a senhora Iléia, também indicação do senhor Moisés Israel. Após breve apresentação começamos a conversar sobre o motivo de minha visita. Perguntei-lhe sobre os judeus de Itacoatiara, se ela não possuía alguma informação sobre como viviam, aonde residiam, quantos eram e etc. Ela pediu alguns minutos para ir ver o que poderia encontrar.
Enquanto isso sai um pouco afora e me chamou logo a atenção uma construção muito antiga com arquitetura arrojada e de finos traços pertencentes a uma época passada. Aproximei-me e pude constatar o abandono total desta construção. Busquei alguma identificação e encontrei um nome meio apagado que apenas pude lê-lo com muito esforço e dizia – “Casa Moisés”. Voltando a galeria a senhora Iléia me explicou que a “Casa Moisés” foi construída por judeus. Os irmãos Marcos e Moisés Ezaguy e o cunhado Isaac José Péres – este último foi prefeito de Itacoatiara no período de 1926 a 1930 – construíram e inauguraram alí um grande estabelecimento de exportação e importação, uma vez que o porto da cidade era um dos mais movimentados da Amazônia, vindo navios da Europa e dos Estados Unidos exclusivamente ao seu porto. Posteriormente foi instalado no prédio uma agência de viagem e representação de várias empresas de navegação marítima nacional e internacional, dos sócios Ezaguy e Jacob Benchimol e que encerraram suas atividades em 1973.
Em seguida, a secretária da galeria me trouxe um documento. Era uma cópia de um relatório bem extenso e dizia: “INTENDÊNCIA MUNICIPAL DE ITACOATIARA pelo prefeito ISAAC JOSÉ PÉRES”. Aquilo alí já valeria a minha viagem! Tamanha era a minha satisfação e alegria, que pedi imediatamente para tirar uma cópia daquele documento. A secretária disse que não teria nenhum problema. A senhora Iléia disse então que iria me levar até a secretaria de educação do município aonde iria me apresentar a uma pessoa que poderia me dar mais informações sobre os judeus que viveram na cidade. Seu nome Frank Chaves, acessor do secretário de educação.
Frank Chaves é pesquisador e historiador. Esclareceu-me muitos detalhes e deu-me importantíssimas informações que passarei a relatar agora. O professor Frank Chaves foi mais tarde, entrevistado para o filme Eretz Amazônia e contou para a telinha o que relatamos aqui.
Primeiramente, com o relatório da gestão de Isaac José Péres em mãos, perguntei-lhe se não teria mais informações a respeito deste prefeito. Frank me afirmou que tinha muito interesse sobre o assunto e que pretendia inclusive, escrever a bibliografia de Isaac José Péres por considerá-lo, uma pessoa de grande importância para sua cidade natal afirmando inclusive, que Peres teria sido o melhor prefeito da história da cidade de Itacoatiara. Disse-me que Isaac era um homem de visão moderna, um empreendedor, homem criativo e inteligente da alta sociedade amazonense e muito bem quisto por todos.
O Professor Samuel Benchimol Z´L em sua obra, Eretz Amazônia frisa o seguinte: “Isaac José Perez, o grande prefeito judeu que revolucionou, urbanizou Itacoatiara e fundou o cemitério judeu de Manaus. Era casado com Rachel Hilel Benchimol, cujos pais vieram de Gilbratar para Cametá em 1850, e depois se transferiu para Itacoatiara. Isaac José Perez veio a Manaus em 1928, ainda como Prefeito de Itacoatiara conseguiu com seu prestígio, junto ao Governador Efigênio Sales, a troca de um terreno aos fundos do cemitério São João Batista, que havia sido comprado para ser o cemitério judeu, por um terreno melhor situado ao lado do mesmo cemitério, na esquina do Boulevard Amazonas, hoje avenida Álvaro Maia. Comprado o cemitério judaico e feito o seu gradeamento, Isaac José Perez teve o grande infortúnio e desdita de ver morrer de febre amarela o seu querido e amado filho Leon Perez, jovem engenheiro politécnico, que estava em visita a seus pais. Por ironia do destino, o fundador do Cemitério Judeu de Manaus o inaugurou, enterrando o seu próprio filho, em 12 de setembro de 1928”.
Em seguida comentei com Frank sobre a reportagem que havia feito no dia anterior com a senhora Esther A. Benchimol. Especificamente perguntei-lhe sobre a tal da “revolução” que tia Esther me relatou. Notei que Frank ficara surpreso, mas não entendi o porque! Então ele me contou que a senhora Esther referiu-se ao ano de 1932, quando eclodiu uma verdadeira BATALHA NAVAL às margens do rio amazonas em frente à cidade de Itacoatiara (ver o box Batalha Naval em Itacoatiara nesta matéria).
Desfeito o mistério da tal “revolução” que tia Esther comentou, faltava sair a campo para conhecer as tais “dezoito” onde viviam os judeus. Fomos com Frank Chaves então conhecer a cidade de Itacoatiara. Mostrou-me obras realizadas pelo então prefeito Isaac José Péres, como escolas públicas, avenidas, pontes. Explicou-me que foi Peres que trouxe o primeiro médico para residir e prestar serviços profissionais na cidade, que implantou energia elétrica através de geradores. Levou-me a rua “Isaac Peres”, a Escola Municipal “Isaac Peres”, homenagens de prefeitos posteriores ao trabalho exemplar e pioneiro de Isaac José Peres.
Bem, faltava ainda a visita ao bairro dos judeus com certeza o trecho mais interessante do meu roteiro. A caminho, Frank me mostrou uma casa aonde disse ter sido ali a Sinagoga da comunidade. Era a residência de Dona Esther Ezaguy, viúva de Moysés Ezaguy na rua Deodoro. Chegando ao bairro da Colônia, onde viviam os judeus, me mostrou a residência da família Benchaia, vi na rua Álvaro França, no mesmo bairro a Usina de Beneficiamento de Borracha instalada por Isaac José Péres e finalmente, pude realmente comprovar a existência de várias casas, situadas na rua Moreira César, que Frank as apontou-me como sendo as tais “dezoito”. Para minha surpresa, encontrei uma delas com os traços de uma casa de taipa, podia ver na parte lateral superior da casa, ripas e recheios de barro. Foi então que começou o fato mais importante e inesperado de minha reportagem. Frank contou-me que bem em frente as “dezoitos”, vivia sua avó, onde hoje era uma igreja. Sua avó sempre dizia, que tinha muitas amigas judias “das dezoitos” e que uma delas veio visitá-la certa vez. Frank contou: “Eu tinha cerca de dez anos quando vi um carro estacionar a porta da casa de minha avó. Ela estava em pé, parada, esperando ansiosa para abraçar sua velha amiga judia que veio visitá-la depois de muitos e muitos anos. A senhora saiu do carro acompanhada de seu neto, e ao se aproximar de minha avó, elas se abraçaram e choraram durante quase uma eternidade, pelo menos para mim parecia assim. Conversaram durante muito tempo, lembro que fui brincar e quando retornei ainda estavam conversando. A despedida foi incrível, percebi novamente lágrimas nos rostos das duas senhoras. Me impressionou muito quando a visitante disse a minha avó, que aquela era a última vez que se viam, pois na idade das duas não teriam outra oportunidade de encontro. E assim foi, minha avó faleceu a cerca de dez anos atrás”.
A surpresa maior Frank reservou para o final, me levou a sua casa onde disse-me que queria mostrar-me umas fotos. Chegando lá, procurou, o álbum de fotos que sua avó tinha, e que ele guardava depois de sua morte. Encontrou uma foto do prefeito Isaac José Pérez, mas não encontrava o álbum de fotografias de sua avó.
Era tarde, estava na hora de retornar para Manaus, não gosto de viajar a noite, então disse para Frank que em outra oportunidade veria as fotos de sua avó. Uma última caixa ele pegou e disse: “vamos tentar só mais essa caixa”. E realmente, nesta caixa Frank encontrou a foto que buscava para me mostrar. Uma foto muito antiga, onde uma mocinha muito bonita aparecia em cima de uma pedra. Foi aí então que Frank me disse: “esta na foto é a amiga judia de minha avó, aquela que veio visitá-la quando eu tinha dez anos e que aparece aqui com cerca de quatorze anos de idade. Ela se chamava Esther Azulay". Impressionante!!! A tia Esther Azulay Benchimol, era a amiga querida da avó de Frank Chaves. Aquilo me emocionou muito, era muita "coincidência" eu ter encontrado uma pessoa que... bem, como diz o velho ditado: “este mundo é pequeno mesmo” eu costume acrescentar e D-us é que é grande.
Uma última obrigação me restava: levar esta foto à tia Esther. E assim fiz. Foi grande a emoção, mais tia Esther suportou bem e inclusive brincou comigo dizendo que eu deveria ser um detetive e não um jornalista.
Obrigado à tia Esther e a toda a sua família.
Batalha Naval de Itacoatiara
Frank entregou-me um livro de autoria de Anísio Jobim o qual relata com detalhes o que foi esta batalha. Os revoltosos tenentistas chefiados pelo civil, comissionado no posto de coronel, Alderico Pompo de Oliveira, pelo general Bertholdo Klinger, iniciaram uma revolta desde a fortaleza de Óbidos e pretendiam tomar as cidades ribeirinhas e ocupar Manaus, excelente ponto estratégico e de abastecimento.
Em 21 de agosto de 1932, chegava a notícia de que os navios “Andirá” e “Jaguaribe” haviam sido tomados pelos rebeldes. Partindo de Óbidos em direção à Manaus, logo chegaram a Parintins, cidade desguarnecida que não apresentou nenhuma resistência aos revoltosos. A notícia da tomada de Parintins causou um abalo enorme na população de Itacoatiara que já espera o pior.
Os navios chegaram a região de Itacoatiara. Mandando um emissário a terra para um entendimento com as forças legais, tiveram resposta de absoluta intransigência, pelo que resolveram conceder um prazo de duas horas para que as famílias se retirassem daquela cidade, quando então começariam os bombardeios. Antes de decorrido o prazo, chegaram ao porto de Itacoatiara os navios legais “Baependi” e “Ingá”, que entraram imediatamente em luta.
No dia 24 de agosto de 1932, ao avistar as forças legais, os inimigos manobraram em atitude de combate. Toques de cornetas estrugiram a bordo e a deflagração começou de ambas as partes. Os canhões troavam e as metralhadoras crepitavam terríveis (tia Esther, lembro-me, contou-me que os tiros passavam perto de sua janela e que todos se escondiam debaixo da cama com receio de serem feridos.
Constatei mais tarde que “as dezoito” onde viviam não ficava longe da beira do rio Amazonas. Os vapores legalistas avançavam. No meio da refrega o “Ingá” foi de proa em cima do “Jaguaribe” em poucos minutos o “Jaguaribe” estava adernando e em seguida foi a pique. O Andira” hostilizava impiedosamente os navios legais a tiros de fuzil e de metralhadoras pesadas. Porém, um tiro certeiro de metralhadora destruiu a ponte de comando do “Andirá”. O “Baependi” atirou-se então sobre ele, alcançando-o de popa e partindo-o ao meio.
A feroz batalha naval de Itacoatiara chegou ao fim após breves quarenta minutos de luta pesada. As tropas fiéis ao governo de Getúlio Vargas inscreveram, incontestavelmente, uma página de bravura em defesa da ordem.
Uma nota pitoresca que evidenciou o desconhecimento dos nossos homens públicos no tocante a geografia do país, foi o telegrama publicado num jornal francês e transcrito no “Imparcial” do Maranhão, e por sua vez transcrito no “O Jornal” de Manaus de 26 de Setembro de 1932, o qual dizia assim: “A esquadra brasileira sob o comando do presidente Vargas, bateu, no Oceano Atlântico, a frota revolucionária do almirante Itacoatiara”.
(Baseado na obra de Anísio Jobim – Batalha Naval de Itacoatiara).
Por:
David Salgado
Com depoimentos de:
Esther Azulay
Moyses IsraeL
Frank Chaves
Hileia Palmeira
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