Pesquisador também fala sobre sua trajetória acadêmica
Peter Burke contou quando começou seu interesse por conhecer diferentes línguas
(Foto: Globo/Juan Crisafulli)
(Foto: Globo/Juan Crisafulli)
Peter Burke – Eu estudei em um colégio de jesuítas (St John's) e depois fui para Oxford para continuar com meus estudos em História. Lá, meu mestre principal foi Hugh Trevor-Roper. Naquela época, ele era Reader Professor. Sem dúvida, uma figura muito controversa, sobretudo quando falava de Hitler. Mas nós nunca falamos sobre esse tema. Nunca falamos sobre Hitler. As nossas conversas sempre foram sobre a história dos séculos XVI e XVII. Antes de acabar meu doutorado, decidi ir para a Escola de Estudos Europeus da Universidade de Sussex, como Assistant Lecturer. Essa mudança foi super interessante para mim porque deixei de trabalhar na universidade mais antiga da Inglaterra, Oxford, para trabalhar na mais nova. Uma experiência que foi muito rica e que, depois de 16 anos, se tornou menos interessante. Foi aí que decidi ir para Cambridge, onde fiquei durante muito tempo e, ainda estou, apesar de ser aposentado. Atualmente, moro nesta cidade e continuo fazendo pesquisa na mesma faculdade. De vez em quando, dou seminários também.
GU – Quando começou seu interesse por conhecer diferentes línguas, diferentes estilos de vida, diferentes mentalidades?
PB – Meu interesse pelas diferentes línguas começou muito cedo porque meu pai era tradutor. Então, em casa, eu tinha contato com várias línguas, francês e alemão sobretudo. Mas sempre que me perguntam pelos meus interesses, eu sugiro conversar com o meu psicanalista. O único problema é que eu não tenho psicanalista (risos).
GU – Sua passagem pelo exército teve alguma influência?
PB – Quando era jovem, me enviaram para Singapura como membro do Royal Corps of Signals, para um regimento de pessoas locais com muitos malaios, índios e chineses. Só me dei conta desta influência anos depois. Além disso, fiz Antropologia sem saber, sem perceber. É que estive submerso em um ambiente muito diferente ao meu durante mais de um ano, observando tudo e até escrevendo notas de campo num caderno.
GU – Que pessoas têm sido suas companheiras intelectuais ao longo do caminho?
PB – Três, sobretudo porque colaborei muitas vezes com eles. Infelizmente, todos os três faleceram muito cedo. Em primeiro lugar, Ralf Samuel, que foi um dos fundadores do History Workshop, um movimento que estimulava o desenvolvimento da história from bellow. Depois, devo mencionar Bob Scribner, que foi meu colega em Cambridge. Juntos, criamos dois cursos: um sobre Antropologia Histórica e outro sobre História e Imagem. E finalmente, Roy Porter, o mais jovem de todos e com quem colaborei em vários volumes sobre História Social da Língua, entre muitas outras coisas.
GU – Quando e como você abraça as ideias da Escola dos Anais?
PB – Comecei a ler a produção científica de Fernand Braudel quando era aluno de graduação, mas foi na época em que fiz pós-graduação que fiquei seduzido pelas ideias da Escola dos Anais. Naquele tempo, por sorte, tive muitas conversas com um grande amigo, um equatoriano chamado Juan Maiguashca que tinha estudado em Paris com Pierre Chaunnu. Falando com Juan, comecei a conhecer mais profundamente as propostas da Escola dos Anais. Em nossas conversas, sempre debatíamos sobre o estilo francês de fazer história. Juan é ainda meu amigo. Recentemente, fui a Quito ministrar um curso sobre historiografia com ele. Algo muito interessante quando se faz pela primeira vez, depois de 50 anos de amizade.
GU – Qual é o legado mais importante dessa Escola de pensamentos?
PB – A ideia de história total. A ideia da história do mundo todo. A ideia de história de todo tipo de atividade humana. Sou um entusiasta do legado da Escola dos Anais, basicamente pelo estudo da história a partir do conceito da longa duração, que nos permite observar nossa localização dentro dos processos sociais. Embora deva ressaltar que, aqui no Brasil, Gilberto Freire, de forma independente, já tinha praticado anteriormente esse tipo de abordagem, mas com um toque sensual.
O historiador ministrou uma palestra no III Conitec (Foto: Globo/Juan Crisafulli)
GU – Como se deve ler sua obra? Você mudou de ideia do que propôs em suas primeiras publicações?
PB – Acho que tenho muitas ideias novas, mas não abandono as velhas.
GU – Como os processos globalizantes estão mudando a história escrita? Você acha que estamos caminhando na direção de uma história sob medida?
PB – Estão acontecendo grandes mudanças nos últimos 40 ou 50 anos. Agora, existe mais interesse por escrever uma história global. Mas é sempre assim: os problemas do presente sempre afetam o olhar do passado.
GU – Qual é a função do historiador no século XXI?
PB – A mesma de sempre: ajudar as pessoas a se colocarem dentro da história, porque estamos vivendo a história em cada momento.
GU – Você está casado com uma historiadora brasileira. Acompanha o momento político e social do país?
PB – De longe. A situação sócio-política brasileira não é fácil de compreender e muito menos para um inglês. Estou acostumado com o sistema de dois ou três partidos políticos (risos). Aqui tem tantos que, às vezes, tenho a sensação de ficar perdido (risos).
GU – Como você acha que será escrita a história da atualidade brasileira?
PB – Não penso que será uma questão muito complexa, embora escrever a história sempre represente um desafio. O importante é conseguir enxergar os fatos com olhos de historiador. Mas esta é uma recomendação válida para pesquisadores e estudantes de qualquer país, sejam da Inglaterra ou do Brasil.
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