VILÃO E HERÓI -- O aventureiro ingles Wickham,
o Cavaleiro britânico que levou a Amazônia à falência (Foto: Dedoc)
O PIRATA AMAZÔNICO
Um jornalista americano narra as aventuras e desventuras do
inglês que traficou para seu país sementes de seringueira e pôs fim ao
ciclo da borracha no Brasil.
Capa de "O Ladrão no Fim do Mundo"
Era início da estação seca de 1876. O chamado verão amazônico, quando o transatlântico SS Amazonas fundeou em uma enseada de águas turquesa no Rio Tapajós, em frente à Vila de Boim, no Pará.
O vapor da companhia inglesa Inman Line ancorou em uma área remota da
selva. Sem porto, para receber uma carga secreta. Foram embarcadas em
centenas de cestos de palha 70.000 sementes de Hevea brasiliensis, a seringueira.
A operação em um vilarejo escondido na floresta foi coordenada pelo
inglês Henry Wickham (1846-1928) – um aventureiro que, depois de mais de
uma década de desditas pela Amazônia, foi contratado pela Coroa para
traficar as sementes do Brasil.
Essa história é contada em O Ladrão no Fim do Mundo
(tradução de Saulo Adriano; Objetiva; 458 páginas; 49,90 reais), do
jornalista americano Joe Jackson. O livro descreve como o sonho de
Wickham de imitar os grandes exploradores foi usado para perpetrar a
mais bem-sucedida e a mais danosa ação de biopirataria já registrada em
solo brasileiro.
O roubo de Wickham viria a encerrar uma fase próspera da economia do
Norte brasileiro, o chamado ciclo da borracha. No momento em que ele
surripiou as sementes, o Brasil respondia por 95% da produção global de
látex, matéria-prima da borracha, e as metrópoles amazônicas do fim do
século XIX, Belém e Manaus, viviam sua belle époque.
Uma folha de seringueira, conforme desenho de Wickham (Imagem: Dedoc / Editora Abril)
Da riqueza à decadência
Em 1896, a capital do Amazonas se tornou a segunda cidade brasileira a
possuir uma rede pública de iluminação elétrica. No mesmo ano,
começaram a circular pelas ruas os primeiros bondes elétricos.
Em 1878, os belenenses inauguravam o Teatro da Paz. Dezoito anos
depois, Manaus ganhava o Teatro Amazonas. As duas casas se transformaram
nos símbolos do fausto em que viviam os amazônidas. Companhias
europeias de ópera desconhecidas dos cariocas e paulistas se
apresentavam nos palcos da floresta.
Mas as sementes roubadas por Wickham e levadas para o Jardim Botânico
de Londres germinaram. Transportadas para as paragens tropicais
abrangidas pelo império britânico – o Ceilão (atual Sri Lanka) e a
Malásia -, as plantas vingaram, e 2.000 mudas deram origem ao primeiro
seringal fora dos limites da inóspita Floresta Amazônica.
Silenciosamente, dava-se início ao fim da riqueza do vale
amazônico.
Wickham recebeu 700 libras pelo trabalho (em valores
atualizados, cerca de 158.000 reais).
Restariam ao Brasil mais trinta anos de domínio do mercado da
borracha: foi esse o tempo necessário para que as árvores atingissem a
maturidade no Extremo Oriente. Ultrapassado esse período de maturação. O
látex produzido de forma intensiva nos seringais ingleses invadiu o
mercado.
Mais barata que a borracha “selvagem” produzida à base da seiva
extraída de árvores nativas espalhadas pela floresta, a produção
intensiva dos ingleses arruinou a economia gomífera brasileira. A
debacle da Amazônia foi rápida. Em 1928, a região atendia a apenas 2,3%
do consumo mundial. Os investimentos e as empresas seringalistas se
mudaram para a Ásia, e o desemprego tomou conta das cidades antes
prósperas.
Responsável pela ascensão da indústria da borracha, Wickham chegou à
velhice no esquecimento. Tentou encontrar a riqueza na Inglaterra e na
Papua-Nova Guiné, mas se afundou em dívidas ao apostar em
empreendimentos fracassados.
Viveu amargurado pela falta de reconhecimento por seu feito. Somente
em 1911, aos 65 anos, ganhou da Associação Inglesa dos Plantadores de
Borracha 1.000 libras como prêmio. Também naquele ano, viajou para o
Ceilão, onde viu a plantação de seringueiras resultante de seu roubo.
Wickham e uma das seringueiras resultante de seu roubo
das sementes brasileiras (Foto: Dedoc / Editora Abril)
das sementes brasileiras (Foto: Dedoc / Editora Abril)
Morreu pobre, e, então, a Amazônia já estava mergulhada na miséria
Na fotografia acima, Wickham aparece apoiado em uma das árvores que brotaram de “suas sementes”.
O gigante de quase 30 metros de altura produziu 168 quilos de
borracha entre 1909 e 1913.
O reconhecimento oficial só veio aos 74
anos, quando Wickham recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico.
No ano de sua morte, em 1928, ele era um homem pobre, e a Amazônia já se encontrava mergulhada na miséria.
Hoje. Um século depois de a Inglaterra quebrar o monopólio brasileiro
da borracha, a região ainda se debate na tentativa de se reerguer.
Wickham não poderia tê-lo calculado, mas seu ato condenaria ao atraso
uma das mais exuberantes regiões do planeta.
(Resenha de Leonardo Coutinho publicada na edição impressa de VEJA)
Os números da concorrência, segundo Fábio Castro,
no livro Cidade Sebastiana:
…”No entanto, o monopólio que a Amazônia mantinha
sobre a produção mundial de caucho (a seiva milagrosa que modificava o processo
industrial de todo o mundo e que equipava indústrias crescentes, como a
automobilística) não duraria para sempre. Preocupados com as manobras
especulativas que começaram a ser desenvolvidas por exportadores paraenses e
portugueses, em 1908, em Nova York, 407 companhias e 231 firmas internacionais
formaram a “Rubber Growers Association”, que passou a financiar pesquisas e a
desenvolver técnicas de cultivo ordenado – na Amazônia, afora algumas poucas
experiências, a atividade sempre foi extrativista – com plantações próprias na
Malásia. Essa produção de borracha no oriente subiu de 3 mil quilos em 1900
para 28 milhões de quilos em 1912. Em 1913 alcançou a produção de 48 milhões de
quilos e, em 1914, a Malásia produziu mais da metade da borracha mundial, 71
milhões de quilos. Em 1919 a borracha oriental alcançou 90% do mercado mundial,
desbancando, definitivamente, a concorrência da produção amazônica.”…
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