José Veríssimo da Costa Pereira
DAS GRANDES pescarias que, periodicamente, se
realizam nas águas do rio Amazonas e nas dos seus tributários, a do
pirarucu é, sob todos os pontos de vista, a mais importante.
Além de possuir cunho caracteristicamente
regional, a pesca do pirarucu movimenta população numerosa. Proporciona,
por outro lado, quantidade de pescado que alcança respeitável expressão
na balança comercial, sobretudo do estado do Amazonas. Considerando-se a
totalidade em cruzeiros, o pirarucu concorre para a exportação geral
deste último estado com cerca de noventa por cento do total alcançado
pelos gêneros alimentícios de origem animal.
A pesca do pirarucu, ainda que periodicamente,
constitui indústria regional, cujos produtos já atingem mercados
internacionais sem esquecer os nacionais situados fora do âmbito
propriamente amazônico. A indústria, além de abastecer as populações
ictiófagas da grande Região Norte, chega a exportar pirarucu seco para
os estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia,
Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Fora dos mercados brasileiros
atinge alguns países sul-americanos como Venezuela, Colômbia e Peru.
As pescarias são mais comuns nos meses chamados
de verão. Estes, como se sabe, correspondem ao período da vazante, que
principia nos meados de agosto e se prolonga até meados de novembro. A
máxima vazante dá-se nos meses de setembro e outubro. Todavia, a pesca
do pirarucu também se realiza no período da enchente, que principia em
novembro e termina em princípios de agosto.
A pesca é mais intensa no começo e no fim da
vazante. No princípio desta, os grandes peixes preferem os lagos então
fertilizados e bem providos pelas enchentes, cuja máxima ocorre nos
meses de junho e julho. A pesca é também intensa no fim da vazante
porque entrando as águas a crescer nos lagos e rios centrais, os peixes
se retiram para outros pontos, facilitados pela cheia. Em certos casos
remontam os cursos d’água até as cabeceiras dos próprios lagos, rios e
igarapés. Aí, então, permanecem durante todo o período da baixa das
águas. Nesta quadra, denominada "tempo da salga", pescadores locais, bem
como de outras zonas vizinhas, acorrem aos centros de pesca
contribuindo para modificar o aspecto da região que se torna, assim,
animado e pitoresco.
Em geral, todas as águas da Região Norte são
piscosas e extrema é a variedade das espécies. Entretanto, poucas
apresentam verdadeira importância sob o ponto de vista econômico. De
todos os peixes, apenas o pirarucu constitui objeto de pescaria metódica
e serve de base ao estabelecimento de uma indústria de certa
envergadura.
As áreas preferidas para a pesca do pirarucu não
são fáceis de determinar. De resto, consideravelmente extensa é a rede
amazônica. Nestas condições, embora realizada em pequena escala, a pesca
é sempre possível em qualquer ponto da imensa porção territorial
brasileira. Quanto à grande pesca, algumas áreas podem, contudo, ser
indicadas como das ‘mais expressivas .
De leste para oeste poderiam ser arroladas as
seguintes zonas de pesca: 1. lagos centrais da ilha de Marajó; 2. lagos e
rios da parte setentrional da bacia amazônica situada ao norte do rio
Araguri; 3. rios e lagos do Maecuru; 4. Monte Alegre; 5. lagos entre a
margem esquerda do Tapajós e o rio Curuá; 6. lago Grande da Vila Franca e
águas adjacentes; 7. rio e grupos de lagos à margem esquerda do
Trombetas; 8. lagos entre este último rio, o Jamundá e o Amazonas; 9.
lago Arari, na ilha Tu-pinambarana; 10. lagos Rei, Codajás, Tefé, no
Solimões e, 11. lagos dos rios Negro, Branco e Uaupés.
Vários são os processos empregados na captura do
pirarucu. Todavia, o mais usual é o do arpão. O arpão é um aparelho de
pesca constituído de um pedaço de ferro denominado bico, um cordão de
grande resistência chamado arpoeira e de uma peça de madeira conhecida
por haste. No conjunto, o arpão é uma peça roliça de 3 metros de
comprimento tendo na extremidade mais fina, um pedaço de ferro
pontiagudo com duas farpas laterais voltadas para cima. A vara possui um
anel pelo qual passa um cordão de trinta metros de comprimento. Uma
ponta deste cordão liga-se à extremidade mais grossa do ferro. A outra
ou é presa ao banco da montaria ou vem ter à mão direita do pescador,
que empunha a vara. Esta, geralmente, é feita de madeira de lei, pau
d’arco ou maçaranduba. O bico com cerca de dez centímetros, é facilmente
desmontável. "Quando arremessado, — escreveu Amazonas de Aragão —
com o choque produzido pela penetração no dorso do peixe, o bico do
aparelho desprende-se da haste, que cai, penetrando n’água, depois de
deslizar ao longo da corda, a esta ficando ligada por um anel existente
na extremidada superior. A arpoeira fica, assim, pela íôrça do peixe e
do pescador, esticada entre ambos."
A pesca a arpão é feita de pé, na embarcação
típica. Às vezes, o pescador fica de cócoras na montaria. Da canoa
empunha a haste roliça e pesada do arpão. Em geral, se orienta em sua
pesca pelas bolhas de ar que se formam à superfície d’água ao procurar o
peixe alimentação, a pequena profundidade. A vinda do peixe à tona
d’água por vezes sucessivas, o expõe ao golpe seguro do pescador
adestrado. Orientado pelas bolhas formadas na superfície pelo ar
expelido pelo pirarucu, o pescador lança o arpão que, certeiro, vai se
cravar no dorso do peixe. Este, ferido, em corrida vertiginosa, arrasta o
barco de pesca enquanto o pescador vai colhendo e soltando o cordão até
que é morto mediante pancadas fortes de cacete. O pescador passa-lhe,
então, uma laçada na parte anterior do corpo a fim de ser, em seguida,
embarcado.
Além da pesca por meio do arpão, costumam os
pescadores usar outros processos de captura como fisga, linha, espinhei e
barragem, sobretudo quando o pirarucu se encontra na época do "choco".
Logo que pegou um pirarucu, o pescador aborda, como explicou Paul Le Cointe,
na margem vizinha, jogando o peixe na praia, a fim de tirar-lhe a pele.
Em seguida, retalha o peixe, sendo a carne salgada em cima da pele
estendida à maneira de toalha. As postas largas e de pouca espessura são
dependuradas ao sol em varas compridas dispostas horizontalmente a um
metro e oitenta do chão.
Depois de seco, é o pirarucu arrumado em pacotes
de 35 a 45 quilogramas, atados com "embiras" ou "cipós". Em seguida, são
os pacotes empilhados em cima de "jiraus" ou grades e abrigados da
umidade.
Nos meses de maior cheia, o pirarucu costuma ser
capturado a espinhei. Espinhei é um aparelho que consta de um fio de aço
ou uma corda. Esse fio é ligado fortemente às ribanceiras do rio,
atravessando-o pouco acima da superfície líquida. Várias linhas,
esticadas ao peso de chumbadas, pendem, espaçadamente, do fio de aço ou
da corda. Anzóis ligados às extremidades das linhas mergulham então nas
águas, ocultos pelas iscas. Quando preso, o peixe se debate
energicamente, fazendo tilintar um cincerro seguro ao fio. Dado o sinal,
o pescador sai do rancho armado a pouca distância e tranqüilamente
recolhe o peixe.
Ocasiões há em que a pesca do pirarucu se faz a
linha, com anzol, presa a uma vara denominada "mará" ou "curumim".
Outras existem em que a captura se faz mediante o sararacão, a mesma
arma usada pelos pescadores de tartaruga. Este último processo se aplica
particularmente à captura dos filhos de pirarucu, bodecos ou bodetes.
http://www.consciencia.org/pesca-do-pirarucu-no-rio-amazonas
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