Oficialmente, linha de transmissão de R$ 3,5 bilhões para
ligar a região a sistema elétrico nacional foi entregue há um mês, mas
como a Amazonas Energia, da Eletrobrás, atrasou obras, Tesouro ainda
banca subsídio de R$ 2 bilhões por ano
A linha de transmissão Tucuruí-Macapá-Manaus é uma obra
fascinante. Suas 3.351 torres, que chegam a ter 295 metros de altura - o
equivalente a um prédio com 100 andares -, atravessam quase 1,8 mil
quilômetros de selva. Mas os R$ 3,5 bilhões investidos na construção
tinham um objetivo ainda mais grandioso: interligar a maior parte da
Região Norte ao sistema elétrico nacional.
Oficialmente, a conexão ocorreu em 9 de julho com a conclusão da
linha. Mas, na prática, não é bem assim. O Norte segue consumindo cerca
de R$ 2 bilhões por ano para pagar o combustível de 27 térmicas. O
motivo: a Amazonas Energia, distribuidora do grupo Eletrobrás, atrasou a
sua parte das obras.
O Brasil tinha dois sistemas isolados ao Norte; o Acre/Rondônia, que
foi interligado em 2009, e o Manaus/Macapá, que inclui Amazonas, Amapá e
o oeste do Pará, e está sendo interligado agora. Como o sistema local é
obsoleto, ficou a cargo da Amazonas Energia a compra e a instalação de
novos equipamentos, mais potentes.
O prazo para cumprir o trabalho foi longo. Desde a licitação até a
conexão no mês passado, a instalação do linhão levou cinco anos, três a
mais do que o previsto. Nesse meio tempo, a distribuidora não fez quase
nada. Das cinco novas subestações previstas, só uma foi concluída. De
quatro linhas de transmissão projetadas, duas estão em obras. Por causa
do atraso, só 10% da capacidade do linhão é utilizada.
Como o abastecimento de energia da Região Norte oficialmente deixou
de ser isolado do resto do País, criou-se um impasse financeiro: os R$ 2
bilhões gastos com a compra do combustível das térmicas deveriam ser
pagos exclusivamente pelos consumidores locais. Como o mercado é
diminuto, o custo poderia chegar a R$ 70 MW/h. Para as famílias,
significaria um adicional na conta de luz de R$ 15 a R$ 20 por mês - um
valor alto, considerada a renda média da região.
Para as indústrias, o custo de produção daria um salto olímpico. No
Norte estão a Zona Franca de Manaus e importantes empresas que são
grandes consumidores de energia. A lista inclui a Vale, que tem na
Amazônia a maior exploração de minério de ferro. "O custo de produção
aumentaria de tal maneira que poderia inviabilizar a produção de muitas
empresas", diz um executivo.
Para evitar o rombo local, o Ministério de Minas e Energia publicou
em 2 de agosto uma portaria criando um regulamento diferente para o
Norte. A medida determina que a região, apesar de estar tecnicamente
interligada ao sistema nacional, permanece subordinada às regras do
sistema isolado até a conclusão das obras de distribuição. No setor,
agora se diz que no Norte vigora "sistema semi-isolado" de
abastecimento.
Economia suspensa. O mais grave nesse limbo técnico e
regulatório é que a prometida economia de R$ 2 bilhões vai ficar para
depois - e que parte da conta será paga pelo Tesouro Nacional. Até o ano
passado, os recursos para cobrir o custo das térmicas nas região do
sistema isolado eram cobrados na conta de luz de todos os brasileiros e
depositados na Conta de Consumo de Combustíveis (CCC).
No início do ano, a CCC foi absorvida por outro encargo, a Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE), também cobrada na conta de luz. Como o
governo prometeu reduzir o valor da energia, parte da CDE passou a ser
coberta com recursos do Tesouro Nacional.
Há outra questão em suspenso: já não é possível garantir que o fim do
sistema isolado vai render a prometida economia de R$ 2 bilhões.
Segundo Hermes Chipp, diretor do Operador Nacional do Sistema (ONS), que
monitora o abastecimento no País, as térmicas ficarão ligadas após a
conclusão da interligação para garantir a segurança do abastecimento. A
linha de transmissão feita para suportar 1.800 MW/h vai operar com 700
MW/h e picos eventuais de 900 MW/h. O restante do consumo será mantido
pelas térmicas.
A prioridade será usar as térmicas a gás. Hoje há oito em operação.
Mas, dependendo da demanda - local e nacional -, nada impede que sejam
acionadas algumas ou todas as 19 térmicas a diesel e óleo combustível,
as mais caras, cuja energia chega a custar R$ 1 mil o MW/h. (Jornal O Estado de S.Paulo - ALEXA SALOMÃO)
Apagões são rotina em Manaus
Cidade teve cinco blecautes só no ano passado
11 de agosto de 2013 | 10h 45
Em Manaus, o último blecaute aconteceu há um mês. No ano passado,
foram cinco apagões. E, pontualmente, diversos bairros ficam às escuras
em horários determinados. Para se proteger, a população gasta em
manutenção e precisa driblar problemas técnicos e de distribuição da
Amazonas Energia, da Eletrobrás.
Em junho, por exemplo, a empresária Karen Lima fazia escova em salão
no bairro do Coroado, zona Leste de Manaus, quando a luz acabou. "Estava
me arrumando para ir a uma formatura. Tive de lavar os cabelos e ir
correndo para outro salão em outro bairro."
Segundo Karen, é comum faltar energia nos bairros da zona Leste de
Manaus. É nessa região que se concentra a maior parte da população da
capital amazonense. A empresária, que vai à igreja todos os fins de
semana, afirma que cansou de assistir culto às escuras ou à luz de
velas, por falta de energia.
O executivo Afonso Gregório também tem muitas histórias para contar
sobre os apagões em Manaus. Há dez anos, ele perdeu geladeira,
ar-condicionado e TV por causa de quedas de energia. "Na época, não
consegui reaver o recurso para comprar novos aparelhos. Protegi meus
bens gastando aproximadamente R$ 4 mil com um sistema de interruptores,
capacitores e aterramento para não sofrer mais prejuízos."
Uma década depois, os problemas continuam os mesmos. "O estresse
causado pela interrupção do fornecimento de energia reflete diretamente
no nosso emocional, desencadeando uma série de reações desagradáveis",
diz Afonso. "Isso se torna pior ainda quando você tenta entrar em
contato com a concessionária e não obtém informações concretas a
respeito."
'Sem previsão'. O consumidor que liga para a
Amazonas Energia costuma ouvir sempre a mesma informação: não há
previsão para o restabelecimento da energia. Outro ponto que o executivo
destaca é que, quando a luz volta, há picos no fornecimento que
prejudicam os aparelhos eletrônicos.
Administrador da peixaria Bom Gosto, Lucas Fernandes informa que
perdeu a conta de quantos clientes deixaram de ficar no local ou
cancelaram seus pedidos por causa da falta de energia. "O problema maior
é durante a janta, mas o prejuízo real é contabilizado tanto ao
meio-dia quanto no período da noite."
Sem energia, não funcionam liquidificadores e a fritadeira elétrica,
entre outros aparelhos - assim, alguns pratos e sucos ficam fora do
cardápio. Ele disse que os donos do restaurante chegaram a estudar a
implantação de luzes de emergência, mas desistiram da ideia pelo alto
investimento. Para Lucas, a situação mostra a falta de comprometimento
da concessionária com a população.
RENATA MAGNENTI , ESPECIAL PARA O ESTADO , MANAUS - O Estado de S.Paulo
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