sábado, 14 de fevereiro de 2015

Aquaduto do Rio Amazonas para o Sudeste causa preocuapaçãode especialistas da Amazônia

Especialistas criticam ideia de levar água do rio Amazonas ao Sudeste

O transporte de água do Norte para outras regiões do Brasil seria complexa e traria mais custos que o esperado ao consumidor final

 
MANAUS – Há dez dias, o governador do Amazonas, José Melo (Pros), defende a ideia de levar água do rio Amazonas à região Sudeste do Brasil. Sem dar detalhes sobre a possível obra, o governador comparou a intervenção a dutos que conduzem óleo e gás entre localidades distantes. Partindo desta premissa, o Portal Amazônia conversou com membros do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Amazonas (Crea-AM) sobre a viabilidade da obra. Questões ambientais, econômicas, de infraestrutura e de saúde são alguns dos empecilhos apontados pelos profissionais.
“A água transportada por um duto teria um custo muito alto para o consumidor final. Os custos envolvem preço de construção, manutenção, energia elétrica para bombeamento e custo de tratamento da água”, aponta o geólogo Ingo Wahnfried. Ele explica que derivados de petróleo custam mais caro e, por isso, seu transporte através de estruturas complexas como um duto, os tornam economicamente viável. Ingo cita como exemplos o Alasca, onde há duto de 1.287 km, e o Gasbol, que traz gás da Bolívia para o Brasil, e possui 3.150 km.
 

Obra para levar água da Amazônia ao Sudeste incluiria dutos como os que conduzem óleo e gás entre localidades distantes. Foto: Reprodução
 
Para o presidente da Associação de Engenheiros Ambientais do Amazonas, Oziel Mineiros, a existência de obras semelhantes ao redor do mundo abre precedentes para a execução de uma intervenção bem sucedida na Amazônia. “Ao tomar com base projetos e estudos já realizados em cidades brasileiras e europeias, há viabilidade, sim. Mas tanto as tecnologias atuais quanto a infraestrutura precisam ser adaptadas em virtude da distância, vazão e outros pontos técnicos deste possível aqueduto”, pondera.
Ele também acredita que a obra poderia ser semelhante ao projeto de transposição do rio São Francisco. “As tecnologias precisam ser adaptadas. E, por se tratar de águas, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Conselho Nacional de Meio Ambiente [Conama], dispõe de normas técnicas específicas que apresentam os parâmetros físicos, químicos e bacteriológicos que contemplam projetos deste tipo”.
A obra de transposição do rio São Francisco deveria ter ficado pronta em 2012, de acordo com o cronograma do Governo Federal. A construção teve início há sete anos e deveria beneficiar 12 milhões de pessoas em quatro estados do Nordeste que padecem com a seca. O canal do eixo norte percorre 402 quilômetros (km), começando em Pernambuco, em Cabrobó, e terminando no estado da Paraíba, em Cajazeiras. O eixo leste tem 220 km de extensão e também começa em Pernambuco, mas no município de Floresta, e também vai até a Paraíba, em Monteiro.


Para o presidente do CREA-AM, Cláudio Guenka, antes de qualquer iniciativa, por mais louvável que seja, é preciso primeiro fazer a lição de casa. “Isso significa que é preciso sanar a problemática da falta de água em Manaus e em vários municípios. É frequente escutarmos famílias reclamando que estão sem água nos bairros da capital, principalmente nos das zonas Leste e Norte”, destaca.
Guenka também lembra que problemas de seca não são novidade no Brasil. “Temos aí um exemplo clássico que é o Nordeste brasileiro, que já convive com a seca há décadas, e pouco ou quase nada se fez para resolver o drama vivenciado pelas famílias sertanejas”. Na opinião do engenheiro, são necessários vontade política e planejamento para resolver o problema. “O que se tem visto é que as administrações públicas têm dado pouco valor ao planejamento e querem resultados imediatistas, normalmente o tempo de um mandato – quatro anos”, diz.
Outro problema latente no que tange qualquer grande obra na Amazônia são os impactos ambientais. Via de regra, as intervenções na região geram desmatamento e acarretam danos em dimensões humanas e ambientais. “Estradas na Amazônia sempre geram aumento de desmatamento pela facilitação do acesso a madeireiros e grileiros. Assim, paradoxalmente, para fornecer água para outros estados estaríamos contribuindo para a destruição da floresta, que é a própria razão de existir tanta água aqui”, alerta Ingo.
Pesquisadores como os meteorologistas Antônio Nobre, José Marengo e o próprio Ingo defendem que a água da Amazônia já chega ao Sul, Sudeste e Centro-Oeste do País naturalmente e sem custo, na forma dos 'rios voadores'. Por isso, o geólogo considera desnecessário investir bilhões de reais para criar uma estrutura física que conduza mais água da Amazônia a outras regiões. “Através dos rios voadores, a Amazônia fornece água de ótima qualidade, de forma muito mais eficiente e distribuída do que qualquer duto pode fazer”, defende. “Tudo que devemos fazer, aqui na Amazônia, é manter a floresta em pé. Assim ela continuará fornecendo este vital serviço ambiental, abastecendo aquíferos e rios, e consequentemente sustentando plantações, cidades e usinas hidrelétricas naquelas regiões”, acrescenta.
 
Veja no infográfico abaixo como são formados os rios voadores da Amazônia:
 
Saúde
As águas dos rios da Amazônia foram categorizadas pelo pesquisador Harald Sioli em três tipos: pretas, claras e barrentas. Os critérios para estas classificações são a coloração, a acidez e a quantidade de sedimentos que carregam. As águas do rio Amazonas são barrentas, assim como a de seus principais tributários. Isso quer dizer que o rio carrega grande quantidade de sedimentos, que nada mais são do que compostos orgânicos dissolvidos.
Isso torna a água in natura não potável, de acordo com as normas de saúde vigentes. Essas característica acrescentariam mais custos à água, pois ela precisaria ser tratada antes do consumo. “Não é um problema técnico, porque isto já é feito em diversas cidades da Amazônia. Mas, novamente, é um fator de aumento de custo”, diz Ingo.
Para Oziel Mineiro, a questão não é tão complexa. O engenheiro acredita que moradores de outras regiões do Brasil poderiam usar o mesmo artifício que comunidades e cidades da Amazônia usam para tratar água.“Para o consumo humano utilizam-se os cloros que são distribuídos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] e Agência Nacional de Saúde [ANS]. Pinga-se de duas a três gotas em cada 20 litros de água. Uma tecnologia mais atualizada e adaptada tornaria o projeto tecnicamente viável”, defende.
 
Gestão
 
A crise hídrica do Sudeste era uma tragédia anunciada. Há anos especialista têm alertado sobre a necessidade de gerir adequadamente a água. Se alguma medida foi adotada, não surtiu efeito. “O certo é que a natureza está no seu limite, onde o ser humano pouco ou nada faz para mudar o ritmo de exploração indiscriminada dos recursos naturais”, alerta Cláudio Guenko. O engenheiro acredita que a solução para o problema está no reaproveitamento de recursos e combate ao desperdício. Ele também recorda que em 2005 e 2010 o estado do Amazonas sofreu severas estiagens. “E como ficaria o aqueduto? São perguntas sem respostas”, diz.
Ingo também aponta como problema a exploração irracional de águas superficiais e subterrâneas. “Não há uma solução única, simples ou rápida. Os pesquisadores da região têm as soluções para todos estes problemas, há tempos, mas eles não foram ouvidos”, diz. “Isto precisa ser feito agora. Importar água artificialmente da Amazônia seria um incentivo ao desperdício e mau uso, perpetuando as práticas que criaram o problema”, conclui.
 
Portal Amazônia - izabel.santos@portalamazonia.com

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