Guimarães Rosa, em entrevista ao crítico Günter Lorenz, disse que "a
política é desumana porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em
uma conta". A desumanidade da política extrapola a esfera dos
governantes e governados e navega nas várias esferas da vida na pólis,
na sociedade. A desumanidade, lembrada pelo escritor Guimarães Rosa,
refere-se à falta de compromisso com a verdade, com o conhecimento. Há
por aí filósofos de pára-choque de caminhão. Pessoas que julgam pessoas
sem o menor conhecimento de sua obra. Vários pensadores foram vítimas
desses semicultos. Colocaram frases jamais proferidas na boca de
Maquiavel. Deturparam Marx ou Sartre. Ridicularizaram ideologias. Sobre
os semicultos, escreveu Mário de Andrade nos idos de 1927: "A gente pode
lutar com a ignorância e vencê-la. Pode lutar com a cultura e ser ao
menos compreendido, explicado por ela. Com os preconceitos dos
semicultos, não há esperança de vitória ou de compreensão". Os
semicultos estão por aí, escondidos atrás de um pequeno poder. Dizem
superficialidades, deixam-se levar por um olhar tacanho do que não
conhecem e fingem conhecer. Os semicultos não têm a humildade necessária
para a dialética. Não há antítese. Apenas tese. Tosca tese de quem
nunca nada defendeu. Apenas destruiu ou tentou destruir. Há de se
discutir a ética na política, nas organizações e na mídia. Falta com a
ética o político demagogo ou o corrupto, ou o que semeia inverdades em
redações de jornais e revistas, ou o que mente à sociedade. Falta com a
ética o jornalista que se deixa deslumbrar com o poder de destruir e não
investiga, não vai a fundo no que escreve. Falta com a ética quem
destrói a gestão do outro, a obra construída solidamente na política ou
na empresa. O trabalho sagrado de servir. É tempo de ética. Da ética
aristotélica do meio-termo. Da ética do valor, da axiologia preconizada
por Miguel Reale. Do conceito correto de política que constrói Estados e
pessoas, como sonhava Bobbio. Da ética da linguagem. A palavra a
serviço da verdade e do conhecimento. A semiótica de Umberto Eco, que,
relembrando Cícero, fala em razão e emoção. Em fragilidade e
consistência. Da ética da humildade. Os arrogantes ou semicultos se
distanciam muito da verdade, pois só enxergam a si mesmos. Humildade no
respeito à diversidade. A intransigência leva ao radicalismo, e este, à
tragédia. Franco Montoro dizia que há coisas em que não podemos ceder
-valores, ética. Quantos às outras, é preciso ter olhos de ver.
Humildade em reconhecer o valor do outro. Não podem interesses levianos
de períodos eleitorais jogarem lama em carreiras construídas com afinco.
Adélia Prado, poeta da leveza, disse: "Só pessoas equivocadas quanto à
natureza do fato literário repudiam um livro por sua casuística
religiosa. O enredo ou tema de um livro não é o que o torna bom ou mau.
Seu valor e desvalor têm a ver com forma, apenas". A maturidade
literária ou a maturidade crítica exige conhecimento, profundidade. "Não
li e não gostei" é coisa de semiculto. Enfim, que neste ano eleitoral
haja muito debate, muita investigação e, acima de tudo, compromisso com a
verdade. Que a ética permeie o calor do debate, que será mais rico e
belo se deixar fluir o passado e o amanhã sem desmerecer a pessoa. Um
debate ético lança luzes sobre idéias, não sobre perfumaria. Um debate
ético ajuda a consolidar a cultura democrática e respeitosa. O Brasil
tem mulheres e homens com essa postura em todos os ambientes
profissionais. Que esses sirvam de exemplo aos demais. São profissionais
que construíram uma obra. Aliás, o que é muito mais edificante do que
destruir obras alheias.
Publicado no Jornal Folha de São Paulo
Publicado no Jornal Folha de São Paulo
Gabriel Chalita
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