Escola política fundada pelo ex-governador Gilberto Mestrinho emplaca, com José Melo, o sexto governador consecutivo |
De
forma ininterrupta, o Amazonas é governado há 31 anos por políticos
criados e doutrinados na cartilha do lendário “boto navegador”. Oito
mandatos perpetuaram o “modus operandi” administrativo, políticos e
eleitoral de Mestrinho
Ao
voltar ao Amazonas anistiado e ser eleito o primeiro governador por
voto direto no período de abertura política do País, em 1983, o
ex-governador Gilberto Mestrinho arquitetou um projeto de poder que
mantivesse o grupo dele por duas décadas no comando do Estado. Nem mesmo
Mestrinho sonhava que a sua escola política invadiria outro século,
levando ao poder, na sexta-feira, seu sexto governador consecutivo: José
Melo (Pros). De forma ininterrupta, o Amazonas é governado há 31 anos
por políticos criados e doutrinados na cartilha do lendário “boto
navegador”. Oito mandatos perpetuaram o “modus operandi” administrativo,
políticos e eleitoral de Mestrinho.
O
cientista social Carlos Santiago, cujo trabalho de conclusão de curso
foi “Redemocratização e Forças Políticas”, afirmou que a forma de
governar do grupo se fortaleceu tanto que, em 31 anos, o único candidato
ao Governo a vencer a eleição contra a máquina do Estado foi o próprio
Mestrinho, justamente em 1983, início da era de poder do grupo.
Eleição de 1982
A
primeira votação direta para o Governo do Amazonas, além de Mestrinho,
teve como candidatos: o atual presidente do TCE, Josué Filho, do PDS
ligado aos militares; e o professor universitário Oswaldo Coelho,
primeiro candidato do PT ao Governo.
“Por
16 anos, Gilberto se revezou com Amazonino Mendes, sua cria, no
Governo, que, por sua vez, fez outras crias, que também se revezam no
poder. Sempre se elegendo com o apoio da máquina. É uma prática que deve
se repetir esse ano. Ou alguém acha que (José) Melo não usará a
máquina?”, declarou Carlos Santiago.
Modelo conservador
Para
o historiador e professor do Departamento de História da Ufam, Aloísio
Nogueira, o grupo que se reveza no poder no Amazonas é extremamente
conservador, populista e ineficaz na gestão por não conseguir em 32 anos
levar qualidade de vida à população. “Todo ano eleitoral é a mesma
coisa: distribuição de implementos agrícolas no interior, promessas de
resolver o isolamento no interior e a falta de água em Manaus”,
declarou.
Aloísio
Nogueira afirmou que o fortalecimento do grupo, ao longo do tempo, pode
ser apontado pela cooptação, para a sua base aliada, das vozes de
oposição que surgiam no caminho, incluindo partidos de oposição e
movimentos sociais. “Vamos a um exemplo: quem era o adversário de
Mestrinho em 1983? Josué Filho. Onde está a família dele hoje? No
comando do TCE e da ALE-AM. Outro exemplo: PT e PCdoB. Foram cooptados
por essas forças e hoje compõem a base do Governo deles”.
Na
opinião do historiador, os rachas internos que surgiram, como se repete
em 2014, são rapidamente revertidos a cada eleição. “O grupo sabe
aparar as arestas internas desmobilizar a população, cooptar lideranças e
reprimir quando é o caso. Porque também é repressor, veja os comerciais
da força policial”, declarou.
Para
Aloísio Nogueira, a população acompanha ao longo dos 32 anos,
“histórias de racha no grupo” e depois de entendimentos. O movimento
polariza as disputas e não cede espaço a um político que não tenha sido
gerido no seio do grupo. “Verifique que embora se apresente com várias
caras, eles têm uma prática interna. Uma tática única de aliança com o
poder central e de tirar o maior proveito possível disso. A população
não tem opções de candidatos. Não tem conversa”, declarou o professor.
Hegemonia política - Legado de Mestrinho
Ao
assumir o posto de governador, na noite de sexta-feira, José Melo
garantiu ao grupo político fundado pelo ex-governador Gilberto Mestrinho
a hegemonia de 31 anos no comando do Estado, e afunilou a disputa deste
ano a dois alunos dessa escola. Reprodução
Ex-governador
Gilberto Mestrinho fez de Amazonino Mendes prefeito de Manaus e depois
governador. Amazonino fez o mesmo com Braga.
Distorções na administração
O
economista e ex-prefeito de Manaus, Serafim Corrêa (PSB) afirma que o
modelo do grupo político que governa o Estado há 31 anos prioriza o
interesse eleitoral e despreza o mérito e a racionalidade “componentes
indispensáveis à verdadeira república”.
“Doações
mantendo milhares de pessoas na condição de beneficiárias. A própria
organização do serviço público - em que o concurso público nunca foi
preponderante, mas a indicação política - terminou aprofundando as
distorções e fazendo predominar a ineficiência, o que pode ser visto
principalmente nos serviços de saúde e educação”
Serafim
afirma que a não geração de capital humano necessário a disparar um
processo de desenvolvimento sustentável é resultado “desse processo
político equivocado”. “A rigor, há uma única exceção, que foi a criação
da UEA, mas que também não avançou como deveria pela não aplicação
integral dos recursos originariamente a ela destinados”.
Falta de inovação na economia
Para
o historiador Aloísio Nogueira, a regra dos governos populistas que
sucederam Mestrinho é a inexistência de programas de interesse da
população e modelo que coloca o interior dependente de repasses de
verbas, que os favorecem nas eleições.
O
historiador classifica como “chamariz de voto” e medida de
endividamento da máquina pública, os programas “3º ciclo”, “Zona Franca
Verde” e “Amazonas Rural”, apresentados como maneira de tirar o interior
do isolamento e da dependência. “Qual a situação do interior? Sequer
tem transporte. O preço é absurdo. Qual é a política para transporte
fluvial? Não tem”, declarou.
Nogueira
afirma que a principal base de sustentação da economia regional - a
Zona Franca de Manaus -, apresentada como troféu pelo grupo
pós-Mestrinho, é criação do governo militar e que o grupo não criou
alternativas para o Amazonas. “Esse discurso de que ela mantém a
floresta de pé, que preserva o meio ambiente, isso é mentira. Se faz
tudo isso, então porque os igarapés de Manaus estão desse jeito? Cadê a
Zona Franca para ajudar a construir um saneamento adequado para a
população dessa cidade?”.
Perfil
Gilberto
Mestrinho também governou o Estado entre 1959 e 1963 e foi cassado em
1964 com a ascensão dos militares. Em 19 de julho de 2009, após 15 dias
internado em hospital de Manaus, morreu por complicações cardíacas aos
81 anos.
Jornal acritica - Entrevistado: Prof. Aloysio Nogueira
Nenhum comentário:
Postar um comentário