domingo, 6 de abril de 2014

Escola política fundada por Gilberto Mestrinho está há 31 anos no poder - Entrevista: Historiador Aloysio Nogueira

Escola política fundada pelo ex-governador Gilberto Mestrinho emplaca, com José Melo, o sexto governador consecutivo
Escola política fundada pelo ex-governador Gilberto Mestrinho emplaca, com José Melo, o sexto governador consecutivo (Arte Jornal A Crítica)
De forma ininterrupta, o Amazonas é governado há 31 anos por políticos criados e doutrinados na cartilha do lendário “boto navegador”. Oito mandatos perpetuaram o “modus operandi” administrativo, políticos e eleitoral de Mestrinho
 
Ao voltar ao Amazonas anistiado e ser eleito o primeiro governador por voto direto no período de abertura política do País, em 1983, o ex-governador Gilberto Mestrinho arquitetou um projeto de poder que mantivesse o grupo dele por duas décadas no comando do Estado. Nem mesmo Mestrinho sonhava que a sua escola política invadiria outro século, levando ao poder, na sexta-feira, seu sexto governador consecutivo: José Melo (Pros). De forma ininterrupta, o Amazonas é governado há 31 anos por políticos criados e doutrinados na cartilha do lendário “boto navegador”. Oito mandatos perpetuaram o “modus operandi” administrativo, políticos e eleitoral de Mestrinho.
O cientista social Carlos Santiago, cujo trabalho de conclusão de curso foi “Redemocratização e Forças Políticas”, afirmou que a forma de governar do grupo se fortaleceu tanto que, em 31 anos, o único candidato ao Governo a vencer a eleição contra a máquina do Estado foi o próprio Mestrinho, justamente em 1983, início da era de poder do grupo.

Eleição de 1982
A primeira votação direta para o Governo do Amazonas, além de Mestrinho, teve como candidatos: o atual presidente do TCE, Josué Filho, do PDS ligado aos militares; e o professor universitário Oswaldo Coelho, primeiro candidato do PT ao Governo.
“Por 16 anos, Gilberto se revezou com Amazonino Mendes, sua cria, no Governo, que, por sua vez, fez outras crias, que também se revezam no poder. Sempre se elegendo com o apoio da máquina. É uma prática que deve se repetir esse ano. Ou alguém acha que (José) Melo não usará a máquina?”, declarou Carlos Santiago.

Modelo conservador
Para o historiador e professor do Departamento de História da Ufam, Aloísio Nogueira, o grupo que se reveza no poder no Amazonas é extremamente conservador, populista e ineficaz na gestão por não conseguir em 32 anos levar qualidade de vida à população. “Todo ano eleitoral é a mesma coisa: distribuição de implementos agrícolas no interior, promessas de resolver o isolamento no interior e a falta de água em Manaus”, declarou.
Aloísio Nogueira afirmou que o fortalecimento do grupo, ao longo do tempo, pode ser apontado pela cooptação, para a sua base aliada, das vozes de oposição que surgiam no caminho, incluindo partidos de oposição e movimentos sociais. “Vamos a um exemplo: quem era o adversário de Mestrinho em 1983? Josué Filho. Onde está a família dele hoje? No comando do TCE e da ALE-AM. Outro exemplo: PT e PCdoB. Foram cooptados por essas forças e hoje compõem a base do Governo deles”.
Na opinião do historiador, os rachas internos que surgiram, como se repete em 2014, são rapidamente revertidos a cada eleição. “O grupo sabe aparar as arestas internas desmobilizar a população, cooptar lideranças e reprimir quando é o caso. Porque também é repressor, veja os comerciais da força policial”, declarou.
Para Aloísio Nogueira, a população acompanha ao longo dos 32 anos, “histórias de racha no grupo” e depois de entendimentos. O movimento polariza as disputas e não cede espaço a um político que não tenha sido gerido no seio do grupo. “Verifique que embora se apresente com várias caras, eles têm uma prática interna. Uma tática única de aliança com o poder central e de tirar o maior proveito possível disso. A população não tem opções de candidatos. Não tem conversa”, declarou o professor.

Hegemonia política - Legado de Mestrinho
Ao assumir o posto de governador, na noite de sexta-feira, José Melo garantiu ao grupo político fundado pelo ex-governador Gilberto Mestrinho a hegemonia de 31 anos no comando do Estado, e afunilou a disputa deste ano a dois alunos dessa escola. Reprodução
Ex-governador Gilberto Mestrinho fez de Amazonino Mendes prefeito de Manaus e depois governador. Amazonino fez o mesmo com Braga.

Distorções na administração
O economista e ex-prefeito de Manaus, Serafim Corrêa (PSB) afirma que o modelo do grupo político que governa o Estado há 31 anos prioriza o interesse eleitoral e despreza o mérito e a racionalidade “componentes indispensáveis à verdadeira república”.
“Doações mantendo milhares de pessoas na condição de beneficiárias. A própria organização do serviço público - em que o concurso público nunca foi preponderante, mas a indicação política - terminou aprofundando as distorções e fazendo predominar a ineficiência, o que pode ser visto principalmente nos serviços de saúde e educação”
Serafim afirma que a não geração de capital humano necessário a disparar um processo de desenvolvimento sustentável é resultado “desse processo político equivocado”. “A rigor, há uma única exceção, que foi a criação da UEA, mas que também não avançou como deveria pela não aplicação integral dos recursos originariamente a ela destinados”.

Falta de inovação na economia
Para o historiador Aloísio Nogueira, a regra dos governos populistas que sucederam Mestrinho é a inexistência de programas de interesse da população e modelo que coloca o interior dependente de repasses de verbas, que os favorecem nas eleições.
O historiador classifica como “chamariz de voto” e medida de endividamento da máquina pública, os programas “3º ciclo”, “Zona Franca Verde” e “Amazonas Rural”, apresentados como maneira de tirar o interior do isolamento e da dependência. “Qual a situação do interior? Sequer tem transporte. O preço é absurdo. Qual é a política para transporte fluvial? Não tem”, declarou.
Nogueira afirma que a principal base de sustentação da economia regional - a Zona Franca de Manaus -, apresentada como troféu pelo grupo pós-Mestrinho, é criação do governo militar e que o grupo não criou alternativas para o Amazonas. “Esse discurso de que ela mantém a floresta de pé, que preserva o meio ambiente, isso é mentira. Se faz tudo isso, então porque os igarapés de Manaus estão desse jeito? Cadê a Zona Franca para ajudar a construir um saneamento adequado para a população dessa cidade?”.

Perfil
Gilberto Mestrinho também governou o Estado entre 1959 e 1963 e foi cassado em 1964 com a ascensão dos militares. Em 19 de julho de 2009, após 15 dias internado em hospital de Manaus, morreu por complicações cardíacas aos 81 anos.


Jornal acritica - Entrevistado: Prof. Aloysio Nogueira

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