terça-feira, 22 de abril de 2014

Senado aprova Marco Civil da Internet. Texto segue para sanção de Dilma

Senadores analisam requerimento de urgência para votar o projeto do Marco Civil da Internet, em Brasília
Senadores analisam requerimento de urgência para votar o projeto do Marco Civil da Internet, em Brasília (Waldemir Barreto/Agência Senado)

Projeto de lei que estabelece regras de uso da rede é aprovado às pressas na véspera de encontro mundial que acontece no Brasil


Após três anos de tramitação no Congresso Nacional, o Senado aprovou nesta terça-feira, em votação simbólica, o projeto de lei que regulamenta a web brasileira. O Marco Civil da Internet estabelece direitos e deveres de cidadãos, provedores e governo no ambiente virtual e foi aprovado às vésperas do Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, evento que reunirá autoridades de todo o mundo nesta quarta e quinta-feira, em São Paulo. O texto segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff.
Enquanto na Câmara o Marco Civil passou por uma série de discussões e teve o texto alterado após pressão de deputados, no Senado a matéria tramitou a toque de caixa: foi aprovada sem debates por duas comissões nesta manhã e levada ao plenário após uma manobra de senadores governistas que garantiu que o tema fosse colocado como o primeiro item da pauta. Não houve alterações ao texto da Câmara.

O que vai mudar com o Marco Civil da internet

Neutralidade de rede

Como é hoje
É estabelecida por uma resolução da Anatel, que pode ser facilmente revogada

Como vai ficar
Provedores de conexão à web (Oi, Vivo, Net etc.) deverão dar o mesmo tratamento a todos os pacotes de dados que trafegam pela rede, não importanto conteúdo, origem ou destino

Exclusão de dados do usuário por serviços web

Como é hoje
Não há norma disciplinando a questão

Como vai ficar
Provedores de serviços (Google, Facebook, Netflix etc.)
deverão excluir definitivamente dados do usuário quando este encerra sua conta

Responsabilidade por conteúdos publicados

Como é hoje
Provedores de aplicações (Google, Facebook, Instagram etc.) podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos publicados em seus serviços por terceiros

Como vai ficar
Os provedores de aplicação só serão responsabilizados civilmente pelo conteúdo de terceiros se, após ordem judicial, se recusarem a retirar do ar o conteúdo em questão

Guarda de dados de conexão

Como é hoje
Acordo entre o Comitê Gestor de Internet (CGI.br) e provedores de conexão à rede prevê a guarda de dados por três anos

Como vai ficar
Os provedores de conexão deverão manter os registros de acesso do usuário por um ano

Guarda dos registros de navegação de usuários

Como é hoje
Tanto os provedores de conexão (Oi, Vivo, GVT, Net) quanto os de aplicação (Google, Facebook, Netflix etc.) podem guardar registros de navegação pelo prazo de três anos

Como vai ficar
Os provedores de conexão à internet serão proibidos de armazenar registros que permitam saber quais sites foram acessados pelos usuários e quando. Provedores de aplicação (Google, Facebook, Netflix etc.) podem guardar tais dados desde que não repassem as informações a terceiros



A agilidade dos senadores atende a apelo do Palácio do Planalto, que, após as denúncias de espionagem norte-americana, não quis chegar de mãos vazias no evento sobre governança da web. A presidente Dilma, acompanhada pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, participará da cerimônia de abertura.
Com a aprovação do projeto, o usuário brasileiro de internet sai beneficiado. Foi assegurada a neutralidade de rede, um dos grandes nós da disputa em torno do Marco Civil e considerado pelo governo um dos pontos mais caros do projeto. O dispositivo obriga os provedores de conexão a tratar de maneira igual toda informação que trafega na rede, sendo proibidas distinções em razão do tipo, origem ou destino dos pacotes de dados. O princípio impede, por exemplo, que os donos da infraestrutura da rede privilegiem alguns serviços (seus ou de terceiros ou os que podem pagar mais) em detrimento de outros, minando a concorrência e a inovação com uma espécie de pedágio discriminatório.
É a neutralidade, portanto, que pode assegurar que novos produtos briguem com gigantes digitais estabelecidos sem serem prejudicados na linha de largada. Com essa garantia, o melhor tem a maior chance de vencer. A regulamentação da neutralidade dependerá de consulta prévia ao Comitê Gestor da Internet (CGI) e à Anatel – inicialmente, a proposta previa que a regulamentação se daria via simples decreto do Executivo, mas o governo teve de ceder nesse ponto para viabilizar a votação.

Também terminou derrotada a proposta governista que queria obrigar empresas estrangeiras que atuam no Brasil (caso de Facebook, Google e Netflix, entre muitas outras) a instalar data centers para guardar dados de usuários brasileiros. A ideia foi incorporada ao projeto no fim de 2013 – uma exigência da presidente Dilma Rousseff para dar uma "resposta diplomática" à suspeita de espionagem de agências americanas a dados de empresas e cidadãos brasileiros. A proposta — que não encontra paralelo em nenhuma parte do mundo — foi duramente criticada por especialistas. Além de desconsiderar a infraestrutura planetária da web, não teria o resultado pretendido pelo Planalto: evitar a interceptação de dados privados pelos espiões. Um efeito colateral, contudo, era certo: o encarecimento de serviços locais.
O Marco Civil proíbe ainda que provedores de conexão à rede (empresas como Oi, Vivo, GVT e NET) armazenem registros de navegação de usuário. Por fim, entre as grandes disposições, o projeto de lei ordena provedores de serviços web a excluir definitivamente dados do usuário quando este encerra sua conta. Dessa forma, ficam protegidos fundamentos essenciais ao florescimento contínuo da internet brasileira — como concorrência, inovação, competitividade —, ao mesmo tempo em que o usuário ganha maior proteção e privacidade no ambiente virtual.
A nova disposição sobre a guarda de dados de navegação do usuário é outro acerto do Marco Civil. O texto proíbe que provedores de conexão à internet armazenem registros que permitam saber quais sites foram acessados pelos usuários e quando. Hoje, os usuários podem escolher se circulam ou não pela web logados a sites como Google e Facebook, fornecendo informações de navegação a eles. Eles não têm a mesma escolha em relação aos provedores de conexão, daí a importância de estabelecer limites para o uso que essas empresas podem fazer dos registros de navegação dos seus clientes.
O texto aprovado nesta terça também traz disposições gerais sobre importância da rede e os direitos dos usuários. É o caso dos artigos que tratam da privacidade e liberdade de expressão. Apesar de terem despertado a atenção do mundo nos últimos meses, em especial após a divulgação das suspeitas de espionagem americana, esses temas já são contemplados na Constituição Federal. Não há novidade, portanto.
O Marco Civil começou a ganhar forma em 2009, com o objetivo de disciplinar o uso da rede, estabelecendo direitos e obrigações de seus atores. Em 2011, a versão final foi apresentada ao Legislativo e passou a ser discutida na Câmara. Representantes de empresas circularam pelos bastidores do poder tentando influenciar os rumos da discussão.

Marcela Mattos, de Brasília

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