Tem
sido frequente o desrespeito de gestores públicos a dispositivos
constitucionais e a dispositivos de leis infraconstitucionais
(Complementares e Ordinárias), tornando, muitas vezes, tais dispositivos
inválidos do ponto de vista prático, porque, mesmo em vigor, tais
dispositivos são transformados naquilo que nós, operadores do direito
(advogados, promotores e juízes) costumamos denominar de “letra morta da
constituição ou da lei”, em referência aos dispositivos da Constituição
Federal e das Leis que não são obedecidos e que são tratados como se
não existissem.
Um dos exemplos mais marcante desse desrespeito está na
insistência como os gestores públicos costumam dar nomes de pessoas
vivas a bens públicos em geral, sejam em obras construídas ou
reformadas, ou em espaços de utilização pública, a exemplo de UTIs
hospitalares, casas de parto, salas de leitura, escolas, etc.,
observando-se que esse desrespeito se dá principalmente pela atuação de
presidentes da república, governadores e prefeitos, justamente eles que
juram respeitar a Constituição e as Leis, quando assumem o poder.
O desrespeito a princípios constitucionais
Se partirmos da análise pura e simples dos princípios
constitucionais regedores da Administração Pública (artigo 37, da
Constituição Federal), dos quais o gestor público jamais deve se
afastar, vamos perceber que seria dispensável a existência de
dispositivos de Lei para tratar do assunto como elemento de proibição,
porque bastaria o gestor público observar e respeitar três dos
princípios constitucionais regedores da Administração pública, quais
sejam: o princípio da legalidade, o da impessoalidade e o da moralidade,
para que houvesse respeito à
Constituição que eles juram obedecer.
O princípio da legalidade impõe que o gestor só deve fazer aquilo
que estiver determinado em lei (lei entendida de forma ampla,
incluindo, é claro, dispositivos constitucionais), enquanto o princípio
da impessoalidade impõe que a coisa pública não pode estar vinculada a
pessoas que estejam no exercício do poder ou que sejam distinguidas pelo
gestor e o princípio da moralidade, por si só, exige que o gestor atue
no exercício de suas funções públicas, observando e obedecendo a
moralidade no trato da coisa pública.
O desrespeito às Leis
Mas o legislador brasileiro não se contentou apenas com a
observação subjetiva desses três importantes princípios regedores da
Administração Pública pelos gestores e partiu para impor dispositivos
objetivos, proibindo, de forma direta, mesmo antes da promulgação da
atual Constituição Federal, o uso de nomes de pessoas vivas em bens
públicos, o fazendo por meio da Lei Federal nº 6.454, de 24 de outubro
de 1977, que “Dispõe sobre a denominação de logradouros, obras, serviços
e monumentos públicos e dá outras providências”, estabelecendo no seu
artigo 1º: “É proibido em todo o território nacional atribuir nome de
pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou
às pessoas jurídicas da Administração indireta”.
Essa proibição, entretanto, não fica restrita apenas aos bens
pertencentes à União (Administração Pública Direta) e às pessoas
jurídicas da Administração indireta, ampliando-se, também, para
alcançar, segundo o artigo 2º, dessa Lei, todos os bens pertencentes ou a
serviço “da Administração Pública direta ou indireta”,
independentemente de pertencerem à União, aos Estados e aos Municípios,
aplicando-se, tal proibição, segundo texto do artigo 3º da citada Lei
Federal, às “entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou
auxilio dos cofres públicos”, acarretando, inclusive, aos responsáveis, a
perda do cargo ou função pública e, no caso das entidades, a suspensão
da subvenção ou auxilio.
O desrespeito à Constituição Estadual
Os Estados, por sua vez, cuidaram de introduzir nas suas
respectivas constituições dispositivos de proibição e o Estado da Bahia o
fez no artigo 21 da Constituição Estadual, cujo texto é o seguinte:
“Fica vedada, no território do Estado, a utilização de nome, sobrenome
ou cognome de pessoas vivas, nacionais ou estrangeiras, para denominar
as cidades, localidades, artérias, logradouros, prédios e equipamentos
públicos de qualquer natureza”.
Além de nomes de ruas, praças, prédios públicos, uma das
ilegalidades mais cometidas pelo gestor público é a de inscrição de seu
próprio nome em placas indicativas de realização de obras públicas, ou
de suas inaugurações. Exemplos: 1-“Escola João XXIII – Inaugurada na
gestão do Prefeito Fulano de Tal”; 2-“Governo da Cidadania –
Administração Fulano de Tal”. Ressalte-se que essa prática é também
muito comum em anúncios radiofônicos ou por meio de carros-de-som. Tais
situações ferem diretamente os princípios constitucionais da legalidade,
da impessoalidade e da moralidade e podem acarretar ação punitiva
proposta pelo Ministério Público.
A competência do Ministério Público como Fiscal da Lei
Se existe proibição constitucional e infraconstitucional, a quem
compete fazer cumprir as normas existentes? Sem dúvida, compete ao
Ministério Público, como fiscal da Lei, adotar as providências legais
para que os dispositivos constitucionais e legais sejam cumpridos, o que
não impede que qualquer entidade ou cidadão leve ao conhecimento do
Ministério Público o fato que estiver desrespeitando as normas em vigor.
A competência originária do Ministério Público para adotar as
providências necessárias às proibições impostas pela Constituição e pela
legislação infraconstitucional está no art. 129 da Constituição
Federal, especialmente, o disposto no inciso II, o que se torna ainda
mais evidente, no caso da Bahia, pela disposição contida no art. 75,
inciso I, da Lei Orgânica do Ministério Público baiano, que impõe entre
outras atribuições que lhe são conferidas no art. 74 da citada Lei
Orgânica, a adoção de providências, entre as quais, a de “receber
notícia de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer
natureza, promover apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes
as soluções adequadas”.
O papel do cidadão
Cabe-nos, portanto, como cidadãos, denunciar por meio de
representações ou reclamações ao Ministério Público, os desrespeitos
cometidos pelos gestores públicos, que insistem em passar por cima de
preceitos constitucionais e dispositivos legais, como se “o poder
pudesse tudo” e a mistura do que é público com o que é privado “não se
constituísse em ato de improbidade administrativa”.
*Josemar Santana é jornalista e advogado
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