quarta-feira, 9 de abril de 2014

Nomes de pessoas vivas em bens públicos, pode?


Tem sido frequente o desrespeito de gestores públicos a dispositivos constitucionais e a dispositivos de leis infraconstitucionais (Complementares e Ordinárias), tornando, muitas vezes, tais dispositivos inválidos do ponto de vista prático, porque, mesmo em vigor, tais dispositivos são transformados naquilo que nós, operadores do direito (advogados, promotores e juízes) costumamos denominar de “letra morta da constituição ou da lei”, em referência aos dispositivos da Constituição Federal e das Leis que não são obedecidos e que são tratados como se não existissem.

Um dos exemplos mais marcante desse desrespeito está na insistência como os gestores públicos costumam dar nomes de pessoas vivas a bens públicos em geral, sejam em obras construídas ou reformadas, ou em espaços de utilização pública, a exemplo de UTIs hospitalares, casas de parto, salas de leitura, escolas, etc., observando-se que esse desrespeito se dá principalmente pela atuação de presidentes da república, governadores e prefeitos, justamente eles que juram respeitar a Constituição e as Leis, quando assumem o poder.

O desrespeito a princípios constitucionais
Se partirmos da análise pura e simples dos princípios constitucionais regedores da Administração Pública (artigo 37, da Constituição Federal), dos quais o gestor público jamais deve se afastar, vamos perceber que seria dispensável a existência de dispositivos de Lei para tratar do assunto como elemento de proibição, porque bastaria o gestor público observar e respeitar três dos princípios constitucionais regedores da Administração pública, quais sejam: o princípio da legalidade, o da impessoalidade e o da moralidade, para que houvesse respeito à 

Constituição que eles juram obedecer.
O princípio da legalidade impõe que o gestor só deve fazer aquilo que estiver determinado em lei (lei entendida de forma ampla, incluindo, é claro, dispositivos constitucionais), enquanto o princípio da impessoalidade impõe que a coisa pública não pode estar vinculada a pessoas que estejam no exercício do poder ou que sejam distinguidas pelo gestor e o princípio da moralidade, por si só, exige que o gestor atue no exercício de suas funções públicas, observando e obedecendo a moralidade no trato da coisa pública.

O desrespeito às Leis
Mas o legislador brasileiro não se contentou apenas com a observação subjetiva desses três importantes princípios regedores da Administração Pública pelos gestores e partiu para impor dispositivos objetivos, proibindo, de forma direta, mesmo antes da promulgação da atual Constituição Federal, o uso de nomes de pessoas vivas em bens públicos, o fazendo por meio da Lei Federal nº 6.454, de 24 de outubro de 1977, que “Dispõe sobre a denominação de logradouros, obras, serviços e monumentos públicos e dá outras providências”, estabelecendo no seu artigo 1º: “É proibido em todo o território nacional atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da Administração indireta”.

Essa proibição, entretanto, não fica restrita apenas aos bens pertencentes à União (Administração Pública Direta) e às pessoas jurídicas da Administração indireta, ampliando-se, também, para alcançar, segundo o artigo 2º, dessa Lei, todos os bens pertencentes ou a serviço “da Administração Pública direta ou indireta”, independentemente de pertencerem à União, aos Estados e aos Municípios, aplicando-se, tal proibição, segundo texto do artigo 3º da citada Lei Federal, às “entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxilio dos cofres públicos”, acarretando, inclusive, aos responsáveis, a perda do cargo ou função pública e, no caso das entidades, a suspensão da subvenção ou auxilio.

O desrespeito à Constituição Estadual
Os Estados, por sua vez, cuidaram de introduzir nas suas respectivas constituições dispositivos de proibição e o Estado da Bahia o fez no artigo 21 da Constituição Estadual, cujo texto é o seguinte: “Fica vedada, no território do Estado, a utilização de nome, sobrenome ou cognome de pessoas vivas, nacionais ou estrangeiras, para denominar as cidades, localidades, artérias, logradouros, prédios e equipamentos públicos de qualquer natureza”.

Além de nomes de ruas, praças, prédios públicos, uma das ilegalidades mais cometidas pelo gestor público é a de inscrição de seu próprio nome em placas indicativas de realização de obras públicas, ou de suas inaugurações. Exemplos: 1-“Escola João XXIII – Inaugurada na gestão do Prefeito Fulano de Tal”; 2-“Governo da Cidadania – Administração Fulano de Tal”. Ressalte-se que essa prática é também muito comum em anúncios radiofônicos ou por meio de carros-de-som. Tais situações ferem diretamente os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade e podem acarretar ação punitiva proposta pelo Ministério Público.

A competência do Ministério Público como Fiscal da Lei
Se existe proibição constitucional e infraconstitucional, a quem compete fazer cumprir as normas existentes? Sem dúvida, compete ao Ministério Público, como fiscal da Lei, adotar as providências legais para que os dispositivos constitucionais e legais sejam cumpridos, o que não impede que qualquer entidade ou cidadão leve ao conhecimento do Ministério Público o fato que estiver desrespeitando as normas em vigor.

A competência originária do Ministério Público para adotar as providências necessárias às proibições impostas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional está no art. 129 da Constituição Federal, especialmente, o disposto no inciso II, o que se torna ainda mais evidente, no caso da Bahia, pela disposição contida no art. 75, inciso I, da Lei Orgânica do Ministério Público baiano, que impõe entre outras atribuições que lhe são conferidas no art. 74 da citada Lei Orgânica, a adoção de providências, entre as quais, a de “receber notícia de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas”.

O papel do cidadão
Cabe-nos, portanto, como cidadãos, denunciar por meio de representações ou reclamações ao Ministério Público, os desrespeitos cometidos pelos gestores públicos, que insistem em passar por cima de preceitos constitucionais e dispositivos legais, como se “o poder pudesse tudo” e a mistura do que é público com o que é privado “não se constituísse em ato de improbidade administrativa”.

*Josemar Santana é jornalista e advogado

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