segunda-feira, 17 de março de 2014

Estudo com formigas avalia recuperação da Mata Atlântica

Insetos são considerados biomarcadores da saúde de um ecossistema; análise em áreas anteriormente ocupadas por eucaliptos foi realizada por pesquisadores da UMC - Foto: Silvia Sayuri Suguituru
 

Insetos são considerados biomarcadores da saúde de um ecossistema; análise em áreas anteriormente ocupadas por eucaliptos foi realizada por pesquisadores da UMC - Foto: Silvia Sayuri Suguituru


Uma forma de verificar a saúde de um ecossistema é avaliar a variedade de espécies que nele vivem. Pesquisadores da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) valeram-se dessa premissa ao quantificar espécies de formigas de serapilheira em uma região entre as Bacias Hidrográficas do Alto Tietê e do Rio Itatinga, na cidade de Mogi das Cruzes, na divisa com Bertioga (SP).
 

Serapilheira é uma camada que mistura fragmentos de folhas, galhos e outros materiais orgânicos em decomposição, que fica sobre o solo das matas, formando húmus. O material abriga um rico ecossistema, composto por uma grande variedade de artrópodes, fungos e bactérias. Muitas espécies de formigas que constroem ninhos no solo visitam a região da serapilheira para coletar alimentos.
Ao contrário de formigas generalistas – como é o caso da maioria encontrada em ambientes urbanos –, as que vivem na serapilheira são em geral mais especialistas. Na serapilheira de florestas sem a interferência do homem, ocorrem diversas interações ecológicas que possibilitam a existência de outros pequenos animais que servem de alimento para as formigas.
No caso do estudo “Estrutura das comunidades de formigas de serapilheira em cultivo extensivo da Eucalyptus grandis dunnil Maiden, em áreas de Mata Atlântica”, coordenado por Maria Santina de Castro Morini, da UMC, as formigas de serapilheira foram usadas como um marcador biológico para verificar a capacidade de recuperação de áreas uma vez cobertas por Mata Atlântica nativa.
Na região escolhida para a análise foram pesquisados três tipos de ambientes: áreas em que a Mata Atlântica foi retirada para a plantação de eucaliptos, ainda em atividade; áreas em que o plantio foi desativado entre 28 e 30 anos atrás por pressões conservacionistas ou dificuldade de manejo; e unidades de conservação (UC) com mata nativa.
Nas áreas nunca desmatadas, foi possível encontrar, por metro quadrado, cerca de 25 espécies de formigas de serapilheira – do total de mais de 200 existentes. Nas florestas de eucaliptos, por outro lado, o número não passou de cinco por metro quadrado. “Essa diferença se dá por vários fatores, mas principalmente porque as folhas de eucalipto se decompõem mais lentamente e têm altos teores de tanino, que é tóxico para muitos organismos que servem de alimento para as formigas”, disse Morini, professora do curso de Ciências Biológicas da UMC.
Já em regiões onde a plantação foi desativada há cerca de 30 anos e a Mata Atlântica voltou a ocupar espaço, a média encontrada foi de 18 espécies por metro quadrado – sinal de que a mata foi capaz de se recuperar, assim como a fauna da região. A pesquisadora escolheu estudar regiões em que a plantação estava desativada havia cerca de 30 anos - ehavia várias delas -, permitindo a obtenção de dados mais seguros (por serem coletados em mais de uma área).
Para fazer a contagem, Morini trabalhou de julho de 2010 a julho de 2013 especialmente na região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Seu grupo de pesquisadores demarcava áreas de um metro quadrado de serapilheira – fosse em área de plantação de eucalipto, mata nativa ou plantação abandonada – e levava o material para o laboratório, onde as formigas eram contadas. Para cada área estudada foram retiradas seis amostras, totalizando 120 amostras de serapilheira.
Morini trabalhou em sintonia com um grupo de pesquisadores do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) durante a realização dos projetos “Riqueza e diversidade de Hymenoptera e Isoptera ao longo de um gradiente latitudinal de Mata Atlântica – a floresta pluvial do leste do Brasil” e “Biodiversity of Isoptera and Hymenoptera”, sob a coordenação dos professores Carlos Roberto Ferreira Brandão e Eliana Cancello. “Toda a metodologia que usei foi discutida para que os resultados pudessem ser comparados. Eu participava das reuniões para aprender o desenho amostral e as técnicas de coleta que seriam usadas no projeto deles e assim fazer no meu”, contou Morini.
 
Estudo sobre a microbiota
Em outro trabalho, intitulado “Diversidade de bactérias e de invertebrados e sua influência sobre a estrutura das comunidades de formigas de serapilheira em áreas de Mata Atlântica”, realizado também entre 2010 e 2013, a pesquisadora avaliou a diversidade de bactérias e de invertebrados e sua influência sobre a estrutura das comunidades de formigas.
A Mata Atlântica na região do Alto Tietê é protegida em áreas de barragens, unidades de conservação (UCs) e propriedades particulares. A pesquisa foi feita em fragmentos dessas áreas buscando avaliar o número de fungos e bactérias das amostras.
As áreas de floresta protegidas pelos órgãos públicos responsáveis pelas barragens e em propriedades particulares que valorizam o conservacionismo têm diversidade similar às UCs – indicando, segundo a pesquisadora, a importância dos fragmentos das barragens e das propriedades particulares para a proteção da biodiversidade da Mata Atlântica. “Minha pesquisa mostra que não apenas as UCs são importantes para o Alto Tietê, mas também as demais áreas; é preciso criar incentivos para que elas não sejam desflorestadas”, diz Morini.
A microbiota, por meio da decomposição do material orgânico, possibilita a existência de outros invertebrados (acarinas e colêmbolos, por exemplo) que servem de alimento para as formigas. É de se esperar que onde há mais microrganismos também existam mais espécies de formigas. A comprovação da hipótese, no entanto, ainda precisa ser feita.
“Ainda não podemos afirmar nada sobre a associação da microbiota e a riqueza de formigas. Esperamos fechar em breve o modelo que foi proposto no projeto”, disse Morini à Agência FAPESP.
Os resultados das duas pesquisas coordenadas por Morini devem ser publicados até o fim deste ano. “Por enquanto, estamos preparando um manuscrito para a Biological Conservation”, disse Morini.
Resultados parciais já renderam publicações como: Undecomposed twigs in the leaf litter as nest-building resources for ants (Hymenoptera: Formicidae) in areas of the Atlantic Forest in the southeastern region of Brazil, de Morini e outros, que pode ser lido na Psyche;Characterization of ant communities (Hymenoptera: Formicidae) in twigs in the leaf litter of the Atlantic Rainforest and eucalyptus trees in the southeast region of Brazil, de Morini e outros, que também está disponível na Psyche; e Occurrence and natural history of Myrmelachista Roger (Formicidae: Formicinae) in the Atlantic Forest of southeastern Brazil, de Morini e outros, publicado na Revista Chilena de Historia Natural.
 
Imagens
Durante suas pesquisas, Morini fotografou em laboratório e catalogou 235 espécies de formigas que vivem no Alto Tietê, no âmbito do projeto “Coleção biológica da fauna de formigas do Alto Tietê: organização de um acervo fotográfico”.
O resultado poderá ser visto em um catálogo com previsão de publicação para abril de 2014. Além das fotos, haverá textos contextualizando o ambiente em que essas formigas vivem, escritos por vários colaboradores, como Ramon Luciano de Melo, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), e Jacques Delabie, da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
A publicação abordará as coleções biológicas e a conservação da biodiversidade. O catálogo está sendo organizado por Morini; Silvia Sayuri Suguituru, também da UMC; Rodrigo Feitosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); e Rogério Rosa Silva, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi. “Quero mostrar para todos, não apenas para os estudiosos, que a formiga é bonita morfologicamente. Ela não é uma praga e ajuda a área de mata. Com essa conscientização, espero que a sociedade ajude a protegê-las também”, diz Morini.
Morini estuda as formigas de serapilheira há mais de uma década e parte das conclusões a que chegou por meio de outros projetos também está no livro Serra do Itapeti: aspectos históricos, sociais e naturalísticos (Canal 6 Editora), organizado por ela e por Vitor Fernandes Oliveira de Miranda, e lançado em 2012.
Os 1.500 exemplares da obra foram distribuídos gratuitamente a instituições de ensino do Alto Tietê e ONGs. Está disponível para download em www.canal6.com.br/site/download. O livro ajuda a fomentar novas discussões sobre o assunto. De acordo com a pesquisadora, os dados sobre biodiversidade que a obra traz estão sendo usados para a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Itapeti, na região de Mogi das Cruzes.

17/02/2014 - por Ivonete Lucirio I Agência FAPESP

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