segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

"A FORÇA DA GRANA QUE ERGUE E DESTRÓI COISAS BELAS"

A história de um patrimônio em três momentos na história de Itacoatiara/AM.

ANTES

Carruagem de luxo estacionada na frente da Morada Auzier - foto da década de 20 - (arquivo Frank Chaves)
A Morada Auzier, foi construída no século XIX e possuí arquitetura no estilo eclético, característico das construções europeias feitas no Amazonas no período da borracha. A casa foi residência do português Oscar Ramos, foi sede do escritório do antigo Posto Sete em Itacoatiara. Depois foi comprada pela família Auzier, que recentemente vendeu para uma empresa construir uma loja de departamentos. Trata-se de uma casa geminada, sendo a primeira residência histórica da cidade, no sentido de quem chega a Itacoatiara pela Avenida Parque.
 
 
DURANTE
 
Morada Auzier  - foto Frank Chaves - 2013
A morada Auzier, em 2013, logo após a reforma da casa laranja, do lado esquerdo, comprada pelo herdeiro da família Auzier, Sr. Antônio Auzier Ramos. que restaurou a casa preservando sua originalidade.
 
DEPOIS
 
Morada Auzier em demolição - foto de Niger Paiva / Dezembro de 2014

Trator demolindo os fundos da Morada Auzier - foto de Niger Paiva / 2014

Imagem da varanda da Morada Auzier demolida - foto de Niger Paiva / Dezembro de 2014

Uma verdadeira lástima e descompromisso com a história do município de Itacoatiara. Cada parede que cai e prédio que é demolido, é como se fosse uma página do livro da história de nossa cidade que é arrancada da memória cultural do povo de itacoatiarense.
 
Isso tudo aconteceu recentemente, após uma empresa ter comprado o terreno localizado na Avenida Parque, em frente a loja Novo Mundo. Nos foi informado que a referida empresa comprou o terreno com a antiga casa, com a finalidade de derrubar as arvores, derrubar a casa e limpar o terreno, para construir o prédio de uma grande Loja de Departamentos.
 
 
O que diz a legislação municipal acerca desse caso, sobre a derrubada das árvores e a demolição do patrimônio histórico:
 

Código Ambiental do Município de Itacoatiara - LEI COMPLEMENTAR N.º 002, DE 02 DE DEZEMBRO DE 2002Art. 3º A Política Municipal do Meio Ambiente terá como objetivos:

X - Preservar e conservar as belezas naturais, as áreas protegidas, sítios arqueológicos e o patrimônio histórico local;

Art.17 - As Áreas Verdes têm por finalidade:

§ 3º. Todo empreendimento imobiliário no município, para sua aprovação, deverá reservar áreas verdes dentro de seus limites, para uso, lazer e comodidade de seus moradores.

Art.30. Para a construção, instalação, reforma, recuperação, ampliação e operação de atividades ou obras potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, deverá a Secretaria Municipal do Meio e Turismo Ambiente exigir o EPIA/RIMA como parte integrante do processo de licenciamento ambiental, quando este for da competência municipal.

Art.131. Consideram-se para os fins desta lei os seguintes conceitos:

V. DEMOLIÇÃO: destruição forçada de obra incompatível com a norma ambiental;

 Art. 145. Considera-se infração grave:

V. Danificar, suprimir ou sacrificar árvores nas áreas verdes públicas e particulares com vegetação relevante ou florestada, nas encostas, nas praias, na orla fluvial, nos afloramentos rochosos e nas ilhas do Município;


Lei Orgânica do Município - Lei Municipal n.º 004/90, de 5 de abril de 1990.
Art. 180. O Município estimulará o desenvolvimento da ciência, das artes, das letras e da cultura em geral, observado o disposto na Constituição Federal.

§4º. O Município compete proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.

Art. 181. O Município, com a elaboração da comunidade, protegerá o patrimônio cultural por meio de inventário, registros, vigilância, tombamento e outras formas de acautelamento e preservação, e ainda, de repressão aos danos e ameaça a esse patrimônio.

Art. 184. O Plano Diretor poderá ser implementado com assistência dos órgãos técnicos do Estado, mediante termo de cooperação, na liberação de recursos e concessão de benefícios em favor dos objetivos de desenvolvimento urbano e nos seguintes assuntos:

IV. preservação de ambiente urbano, histórico-cultural;

V. proteção e preservação de núcleos de acervos de natureza histórica ou arquitetônica;

Plano Diretor do Município de Itacoatiara - LEI Nº. 076 de 19 de Setembro de 2006. 
Art. 1.º Em atendimento às disposições do Artigo 182 da Constituição Federal e do Capítulo III, da Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, denominado Estatuto da Cidade, fica aprovado o Plano Diretor Participativo do Município de Itacoatiara, devendo ser observado pelos agentes públicos e privados que atuam na construção, planejamento e na gestão territorial.

Art. 5.º A cidade cumpre a sua função social quando:

III – garante a preservação do patrimônio ambiental, cultural e da paisagem urbana;

Art. 6.º A propriedade imobiliária cumpre sua função social quando, respeitada a função social da cidade, for utilizada de acordo com o estabelecido neste Plano Diretor Participativo e de forma compatível com:

I – os interesses da coletividade;

IV – a preservação do meio ambiente e a preservação do patrimônio cultural e urbano, evitando ainda a ociosidade, a subutilização ou não utilização de edifícios, terrenos e glebas;

Art. 26. Para a Área Homogênea de Urbanização Consolidada têm-se como objetivos da Administração Pública Municipal:

IV – preservar a qualidade urbana das áreas residenciais já consolidadas;

V – estimular a implantação de novos empreendimentos imobiliários em áreas vazias ou subutilizadas, nos termos deste Plano Diretor Participativo;

Art. 73. Lei Municipal, baseada neste Plano Diretor Participativo, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto neste Plano Diretor Participativo ou em legislação urbanística dele decorrente, quando referido imóvel for necessário para fins de:

II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;

 Art. 74. O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV) deverão ser apresentados para obtenção das licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos de impacto, públicos e privados, localizados na Área Urbana, na Área de Transição e na Área de Expansão do Município de Itacoatiara, sem prejuízo de outros dispositivos de licenciamento requeridos pela legislação ambiental.

§ 2.° São considerados empreendimentos de impacto:

V – empreendimentos que alterem o patrimônio histórico-cultural, paisagístico e arqueológico;

§ 4.° O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV) deverão contemplar os aspectos positivos e negativos do empreendimento sobre a qualidade de vida da população residente ou usuária local, do entorno e da região, devendo incluir, no que couber, a análise e soluções para:

IV – impactos sobre áreas de interesse histórico, cultural, paisagístico e ambiental;

Art. 96. As normas aplicáveis às obras e às edificações, regulamentadas por Lei Municipal específica, devem sempre tem por escopo precípuo:

III – ao conforto ambiental;

IV – à cultura local;

Art. 111. Este Plano Diretor Participativo fica sujeito a contínuo acompanhamento, revisão e adaptação às circunstâncias não previsíveis e emergenciais e será revisto, obrigatoriamente, a cada 4 (quatro) anos.
Art. 121. Considerando os objetivos estratégicos definidos neste Plano Diretor Participativo, as atividades prioritárias a serem seguidas pela Administração Municipal, além das descritas nos demais capítulos desta Lei, são as seguintes:

XI – valorizar os pontos de referência e de identidade do Município de Itacoatiara, tais como o canteiro central da Avenida Parque, o Centro de Eventos “Juracema Holanda”, prédios históricos pertencentes à Municipalidade, Estádio “Floro de Mendonça”, Praça da Matriz, dentre outros;

 
Como pudemos perceber, a legislação municipal tem todo um arcabouço jurídico protegendo o patrimônio histórico cultural e natural de Itacoatiara. Ao tempo em que do ponto de vista econômico reconhecemos que é importante o investimento público e privado para promover o desenvolvimento do município, desde que, haja o devido respeito o patrimônio histórico e cultural do Município de Itacoatiara.
 

Pelo visto vão demolir tudo e deixar somente a fachada da casa como satisfação para a sociedade.

Destruir patrimônio histórico da cidade e deixar somente sua fachada, não pode se tornar regra em nossa cidade. É como se mutilasse o corpo de uma pessoa e deixasse somente a cabeça como mostra. Isso é repugnante.
Imaginem se o povo carioca permitiria derrubar o Cristo Redentor e deixar somente a cabeça no lugar, se New York permitira demolir a estátua da liberdade e deixar somente a tocha de lembrança, se os chineses permitiriam demolir as muralhas da China e deixar apenas uma torre de pedra de recordação, imaginem se os egípcios permitiriam demolir as pirâmides do Egito e deixar somente a cabeça de uma Esfinge para deleite dos turistas, se Paris permitiria demolir a sua Torre Eyfel, e deixar somente umas duas peças de ferro com alguns parafusos como lembrança de seu maior marco turístico, imagine se o povo manauara deixaria demolir o Teatro Amazonas, e deixar somente sua fachada para contar história.
Meus caros amigos, a mais humilde casa histórica de Itacoatiara, tem a mesma importância cultural e simbólica para o povo de Itacoatiara que tem para as culturas mais avançadas do mundo. Se nos conformarmos com isso, vamos ter que nos conformar com a deformação e subtração da própria história de Itacoatiara, que ao paço que cresce de forma desorganizada e perde a cada dia os seus marcos simbólicos e sua origem histórica e cultural.
E por fim, isso me lembra a história de Tiradentes, que o enforcaram e cortaram o seu corpo em vários pedaços, e depois mandaram seus membros para vários lugares diferentes. Sua decapitação serviu de exemplo, para acuar qualquer um que ousasse se impor contra o poder constituído da época. Mas o tiro saiu pela culatra, e logo depois disso, a República foi proclamada por Deodoro da Fonseca, derrubando o governo Imperial de D. Pedro que já estava cansado e não mais atendia aos interesses da antiga colônia portuguesa, que queria se libertar do jugo português e se transformar em uma nação de fato independente e progressista.
Não devemos aceitar que forasteiros destruam a nossa história, como foi o caso do Ouro Verde. Esse povo que nós recebemos de braços abertos, deveria respeitar nossa história e nossa cultura e também desfrutar dela, e não destruí-la, impondo seu poder econômico sobre os nossos costumes e saberes. Aqui não violão! Penso que no nosso terreiro, era o nosso galo que podia cantar mais forte, não o frangote da vizinhança!

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