domingo, 14 de fevereiro de 2021

OS BANDOLEIROS DA FLORESTA - REBELIÃO E CONFLITO ARMADO NO BAIXO AMAZONAS (1920 - 1921)


Foi no final do ano de 1920,que estourou no Estado do Amazonas uma das maiores rebeliões que houve no Norte do Brasil no século XX, que foi esquecida pelo tempo e se estendeu até o início de 1921.
Surgia na região do Baixo Amazonas, na área compreendida entre os municípios de Barreirinha, Parintins e Maués, um poderoso grupo de salteadores que, fortemente armados, bem organizados e com líderes, dominaram grande parte dos três municípios em questão, desafiando as autoridades e provocando a fuga em massa dos moradores locais.

O INÍCIO E ORGANIZAÇÃO DO BANDO
A origem desse grupo armado foi motivada pela queda do preço da borracha, que gerou crise no Estado, afetando economicamente aquela área, que dependia daquele valioso produto, que se agravou mais ainda devido a crise de gêneros alimentícios. Sem perspectivas de sobrevivência e com a miséria assolando os três municípios, muitos optaram pelo caminho da marginalidade, se reunindo e dando origem ao famigerado grupo bandoleiro.
Já abastecidos com munições e armas (espingardas, terçados e cacetes) e com suas estratégias traçadas, o bando rebelde iniciou suas ações com cerca de 200 seguidores. Mas, conforme foram intensificando suas incursões, cada vez tinham mais adesões chegando a ter mais de 800 membros ativos. Seu principal líder foi o piauiense JOSÉ VAQUEIRO, mas haviam outros líderes chefiando outros subgrupos( entre eles um conhecido como "Barrinha").Sua base de operações ficava no Rio Andirá e na localidade do Paraná do Ramos, na zona rural do município de Barreirinha. Possuíam também centenas de canoas utilizadas para os ataques.
A maioria desses bandoleiros era formado por ex-seringueiros, ex-jagunços de seringalistas e foragidos da justiça
Tinham uma marca de identificação em sua vestimenta: todos usavam um chapéu de palha de abas largas, tendo do lado do chapéu uma cruz azul pregada.
Suas ações eram violentas e sanguinárias pois invadiram vários seringais, comunidades e vilas(entre eles Massauarí, Pedras, Ariaú, Paraná do Ararí, etc), saqueando o comércio, incendiando casas e matando moradores, além de espancar os principais comerciantes. Também atacavam embarcações que navegassem pelos rios das zonas dominadas por eles, roubando toda sua carga(entre um dos atacados estava o vapor
"Cruzeiro do Sul", que vinha de Maués).
Os bandoleiros tinham como alvo e vítimas preferidas os comerciantes judeus daquela região, onde realizaram uma feroz perseguição aos hebraicos, pois nutriam por eles grande ódio. Sendo assim invadiram, saquearam e tocaram fogo em várias das propriedades e comércios dos judeus, entre eles os que pertenciam à Rafael Assayag, Jacó Cohen, Isaac Benjó, Davi Benzaquen, etc. e também os agrediram severamente.

A INVASÃO DA VILA DE BARREIRINHA
Porém a maior e mais ousada ação do grupo bandoleiro foi o cerco e invasão da Vila de Barreirinha, em 30 de dezembro de 1920.Fortemente armados, cerca de150 homens atacaram o local de surpresa, depredando-o, saqueando os comércios, agredindo as pessoas e matando 9 moradores. Os bandoleiros trocaram tiros com a pequena guarnição policial da Vila e levaram todas as mercadorias das casas comerciais, embarcando em suas canoas e se dirigindo para seu esconderijo.
Após essa ação e com o aumento de seguidores em suas fileiras, os bandoleiros do Baixo Amazonas eram agora senhores absolutos de grande parte da zona rural dos três municípios, desafiando as autoridades constituídas.

AS NOTÍCIAS CHEGAM À CAPITAL E A AMEAÇA DA INVASÃO DE PARINTINS
Apavorados, moradores, autoridades e comerciantes de Parintins, Barreirinha e Maués pediam providências dos governos estadual e federal.
Porém os rebelados se preparavam agora para a sua maior e mais audaciosa empreitada: invadir a cidade de Parintins. Ao saberem disso, a população da cidade, em pânico, fugiu em peso embarcando em lanchas e batelões com destino à Itacoatiara(Amazonas) e Óbidos (Pará ),ficando a cidade praticamente deserta. Os poucos que ficaram, civis voluntários e policiais, cavaram trincheiras e se armaram esperando o ataque dos terríveis visitantes, cujo delegado policial de Parintins organizou a defesa.
Ao saber da intenção dos bandoleiros de também invadir a Vila de Maués, o prefeito e comerciantes do município fugiram para Manaus onde pediram providências.
Comerciantes e população de Itacoatiara e de Urucurituba também estavam temerosos pois se dizia que a horda pretendia estender seus tentáculos até seus municípios(que ficava próximo à zona conflagrada).
Já em Manaus todos os jornais noticiavam a convulsão que se passava naquela região e era o assunto principal em todas rodas de conversas da capital do Estado. Jornais de Belém, São Paulo e da capital do país, o Rio de janeiro, também noticiavam a situação de conflito que se encontrava aquela área do interior do Amazonas.
O ENVIO DE UMA FORÇA ESTADUAL PARA A ZONA DE CONFLITO
Em Manaus o governador do Estado, César do Rêgo Monteiro, sabedor do grave episódio do levante no Baixo Amazonas e pressionado, se reúne no Palácio Rio Negro com o chefe de polícia e autoridades militares para dar um basta naquela situação. Sendo assim convocaram uma força estadual, composta por soldados da Polícia, para combater o famigerado bando sublevado, que agora tinha expandido mais os seus domínios e aumentado o número de adeptos. A força policial, fortemente armada e comandada pelos tenentes Manoel Corrêa e Salustiano Pereira, embarcava no navio de guerra "Cidade de Manáos" saindo do porto de Manaus com destino à zona de guerra, visando pacificar o local e dar um fim nos insurgentes.

O COMBATE NO LAGO MERUXINGA
No dia seguinte o "Cidade de Manáos" aporta em Parintins, onde os policiais receberam informações de onde estavam as colunas dos rebeldes. Partiram então eles em sua missão, entrando na zona dominada pelos bandoleiros.
No dia 13 de janeiro de 1921,navegando pelo rio, os policiais localizaram e interceptaram uma canoa que continha três homens armados que foram rendidos. Trazidos à bordo e presos, se descobriu que eram emissários dos bandoleiros que iam até Parintins dar um ultimato final ao prefeito do município, Dr. Furtado Belém, para que ele entregasse certa quantia de dinheiro, caso negasse teria a cidade invadida naquele dia.
O navio de guerra continuou seu trajeto e, à tarde, localizou cerca de 300 homens armados, na margem do Lago Meruxinga. Eram os rebeldes que estavam comandados por José Vaqueiro e esperavam uma outra corrente do bando(que já estava a caminho) que se juntaria a eles para, com sua força total, invadir Parintins naquele momento.
Romperam então as hostilidades. Do navio partia cerrada fuzilaria vinda de rifles, canhões e metralhadoras, enquanto da beira dos barrancos os rebeldes respondiam com tiros de seus rifles. O conflito durou uma hora, até que os insurgentes, derrotados, se refugiaram pela mata adentro, desaparecendo.
Os policiais então desceram em terra e aprenderam armas, canoas, munições e vários dos rebeldes(que se entregaram).O saldo final da luta foi de 2 policiais feridos,3 bandoleiros mortos e uma mocinha morta(que era mantida refém).
Com essa primeira e importante vitória sobre a principal coluna de combate e resistência do bando amotinado(cuja derrota acabou desorganizando as demais facções rebeldes), a força policial continuava seu trajeto no navio, agora rumo à Barreirinha e Maués para combater outros subgrupos que ali estavam na ativa.

PRISÃO DE UM SERINGALISTA E O ENVIO DE UMA FORÇA FEDERAL
Contudo no meio do caminho, o navio de guerra aportou na propriedade do seringalista Inácio Pessoa Neto, que era acusado de apoiar os rebeldes, usar seu terreno para reunião deles e receber dos mesmos parte das mercadorias roubadas. Embora negasse sua participação, o seringalista foi também preso e levado a bordo.
Na capital do Brasil, o Rio de Janeiro, o Ministério da Guerra enviava uma mensagem às autoridades em Manaus ordenando o envio de uma força Federal para a zona de convulsão.
Sendo assim, soldados do exército, pertencentes ao 27 Batalhão de Caçadores, embarcaram no vapor São Salvador com destino à Parintins e comandados pelo tenente José Valente do Couto. Muitas pessoas estiveram no porto de Manaus no embarque dos militares.
Ao chegarem em Parintins, os soldados ficaram guarnecendo a cidade e realizaram batidas nas imediações, se distribuindo pelos locais ameaçados e prendendo vários outros rebeldes.

DERROTA DOS REBELDES E PACIFICAÇÃO
O "Cidade de Manáos "continuou sua jornada, com os policiais combatendo e desmantelando outros subgrupos que operavam em Barreirinha e Maués, derrotando-os e os fazendo bater em retirada, onde a maioria dos rebelados se refugiou na área do rio Tapajós, no Pará.
Por volta do dia 20 de janeiro de 1921, a zona sublevada do Baixo Amazonas estava, enfim, pacificada e os insurgentes derrotados. As cadeias de Parintins, Barreirinha e Maués ficaram lotadas de participantes do grupo revoltoso, inclusive com a presença dos principais líderes (entre eles Manoel Araújo, que foi preso em uma aldeia indígena).
O comando da guarnição do 27 Batalhão de
Caçadores dispensou a remessa de um novo contingente, afirmando que não havia mais necessidade.
Os soldados do Exército e da Polícia, vitoriosos, voltavam à Manaus à bordo do vapor Paes de Carvalho e do navio de guerra "Cidade de Manáos" com a missão cumprida.
CONCLUSÃO
Terminado o conflito, aos poucos os moradores da área assolada voltavam às suas casas e retomavam sua rotina.
Porém os prejuízos tinham sido imensos ,com perdas de vidas humanas, lugares destruídos e comércio abandonado, o que agravou mais ainda a já precária situação econômica do lugar.
Muitos comerciantes (em especial os negociantes judeus que sofreram uma implacável perseguição e tiveram grandes prejuízos),jamais retornaram a aqueles locais, com medo de uma nova revolta.
Terminava assim a rebelião armada do Baixo Amazonas, um capítulo ainda obscuro da história amazonense que foi gerada pela decadência da exportação da borracha.
As fontes foram tiradas dos seguintes jornais: Jornal do Commercio(AM), Gazeta da Tarde(AM), Correio da Manhã(RJ), O Paiz(RJ),Correio Paulistano(SP).E dos livros "Sinopse Histórica do Município de Barreirinha" e "Eretz Amazônia -Os judeus na Amazônia".

A ilustração, de Lúcio Izel, mostra um integrante do grupo rebelde que assolou o Baixo Amazonas, com sua marca de identificação: o chapéu de palha com a cruz azul pregada do lado.


Por: Gaspar Vieira Neto

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