Era no empedrado do Morro do Livramento que brotava, entre a espera humilde e a promessa inquieta, o fulgor de Joaquim Maria Machado de Assis (1839–1908). Filho de um pintor pardo, neto de escravos alforriados, e de mãe açoriana, cresceu num Brasil ainda sob o signo do Império — onde, paradoxalmente, empobrecer era também educar à luta pela cultura e pela dignidade.
Não frequentou Universidade — aprendeu grego, latim, francês, alemão e inglês sozinho; leu nas entrelinhas de Aristóteles e Swift, moldando um estilo nestórico, psicoanalítico e irônico. A erudição de Machado não exibia pompa, e sim refinamento: estilo preciso, prosa contida, até impressionista — tal qual apontou José Veríssimo — e uma oposição firme ao naturalismo pedestre que dominava o setting literário.
Machado não foi revolucionário. Defendia o império como sistema de equilíbrio e civilidade, e venera D. Pedro II — “um homem simples no trono”… que tiraria a fotografia apenas por ordem — mas resistiria bravamente caso tentassem removê-la de seu gabinete ao tempo da República.
Sua obra mescla romântico e causticidade, desde Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), onde inova a narrativa com humor corrosivo e metalinguagem; passando por Quincas Borba (1891) — o Humanitismo — até Dom Casmurro (1899), que joga o leitor no labirinto da dúvida moral.
O Brasil que aparece sob sua pena é o Rio de Janeiro do progresso arquitetônico, da abolição tardia (1888) e da República imposta (1889). Machado, testemunha lúcida dos acontecimentos, não os julga, mas os ilumina com ironia aguda.
Sua cor — parda, testemunha prosaica da mestiçagem carioca… alimentou o viés simbólico de um Brasil mestiço, plural, hermético. Em sua obra, a aparente neutralidade racial revela-se labirinto de identidades e classes sociais. Reginald Daniel, estudioso da obra, aponta a ambiguidade racial que ele simplicava sob sua ironia.
Fundador da nossa casa das Letras, o gênio literário estabeleceu padrões como propósito: “passai aos sucessores o pensamento e a vontade iniciais…”, jurando guiar a literatura com vocação nacional e universal ao mesmo tempo.
Machado é monumento da monarquia intelectual: nasceu no Império, cresceu sem privilégios brancos, forjou-se por autossuficiência e, ironicamente, não abandonou o regime que o viu ascendendo. E sua literatura… sátira calculada, silêncio critico, reflexo da alma humana — marca-nos como exímio levantamento ideológico das tensões entre escravidão, elite, cor e moral no século XIX.
Na monarquia, seu valor foi cultivar cultura; na república, sua obra serviu de ponte entre a tradição e a passagem às modernidades. É, como dizia Harold Bloom citado por críticos norte-americanos, o maior escritor negro — ou pardo — de TODOS os tempos.
Carlos Egert
Presidente-Geral do Diretório Monárquico do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seja bem vindo a página Frank Chaves, deixei seu recado que retornaremos o mais breve possível!