Quando
o futebol era um esporte destinado à elite branca, o time amazonense
enfrentava o racismo escalando apenas jogadores afro-descendentess em
seu elenco e hoje figura na história como o primeiro time exclusivamente
negro a participar de um estadual no Brasil
Primeira formação do Euterpe Football Club
(Reprodução)
O
Dia da Consciência Negra remete à memória da contribuição dos povos
afro-brasileiros à cultura brasileira. O futebol, um dos símbolos
máximos dessa cultura, foi praticamente moldado pela presença da
criatividade, da ginga e da malandragem dos negros brasileiros, fazendo
do País, como definiu Nelson Rodrigues, uma “pátria de chuteiras”.
No
entanto, como sabemos, não foi fácil aos descendentes dos escravos
ingressar no universo do esporte bretão, que no princípio do século só
era jogado pela elite branca do País. No livro “O Negro no Futebol
Brasileiro”, o jornalista Mario Filho conta como times como o Bangu, em
1905, e o Vasco, em 1923, fizeram história a permitir negros e mulatos
em seu elenco.
Mas o que o jornalista que deu nome ao mais
célebre estádio brasileiro não sabia é que no Amazonas, três anos antes
do título carioca do Vasco em 23, um time formado exclusivamente por
negros ajudava a quebrar a barreira de preconceito que pairava sobre o
esporte elitista na Manaus do início do século.
Intrigado pela
questão, o historiador Gaspar Vieira Neto quis saber mais a fundo sobre o
que ele diz ser “o primeiro e único time formado apenas pó negros” em
todo o Brasil. Isso porque, segundo o historiador, o Euterpe Football
Club não só aceitava apenas negros entre os jogadores como também entre
os sócios.
“Achei isso muito interessante, até porque até hoje
ainda impera uma ideia de que não havia negros escravos na Amazônia, o
que não é verdade”, diz Gaspar, que pesquisa os primórdios do futebol no
Amazonas.
Fundado em seis de setembro de 1919, o “dragão negro”
da Amazônia, que vestia as cores verde e branco, disputou os campeonatos
amazonenses de 1920, 1921, 1922, 1923 e 1927, mas nunca chegou a
conquistar nenhum título, a não ser de um torneio comemorativo de um ano
de ano de fundação do clube.
Conquistou, por outro lado, a
simpatia da torcida – e de um vasto público de “admiradoras”, como
relatam os jornais da época. A mais famosa dela, uma bela jovem chamada
Suzanna, chegara a ser mencionada nas notas de colunas sociais do
período, o que comprova a popularidade do time diante do público e da
imprensa.
Tal popularidade crescia tanto que, alguns anos depois
de sua fundação, a diretoria optou por abrir as portas do Euterpe para
pessoas oriundas de outras etnias raciais tanto no quadro de sócios
quanto em seu plantel de jogadores. Mas era negro o craque Dominico
Borges, o Dodó, o grande craque da curta porém emblemática existência do
Euterpe no futebol baré.
Aceitação e preconceito
O
clube, embora fosse formado apenas por afro-descendentes, não fugia às
regras da cultura de futebol daquele período e promovia bailes e festas
no Parque Amazonense, principal palco dos primeiros anos do futebol em
território amazonense.
“O clube tinha uma boa relação com a
federação (Fada) e promovia muitos eventos sociais em sua sede, que
ficava na rua 24 de Maio (Centro de Manaus)”, diz o historiador Gaspar
Neto, que diz não haver registros que deem conta de que o time fora alvo
de preconceito dos outros clubes em seus primeiros anos. “No entanto,
acreditamos que sim, pois o racismo no futebol brasileiro era muito
forte”, diz ele.