quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Electricista que tinha 271 obras de Picasso regressa a tribunal



Condenado a dois anos de prisão com pena suspensa, Pierre Le Guennec diz agora que as peças foram doação da viúva do pintor.

Pierre Le Guennec, o electricista reformado que em Fevereiro de 2015 foi condenado em primeira instância como receptador de 271 obras de Pablo Picasso, apresentou esta segunda-feira no tribunal de recurso, em Aix-en-Provence, uma nova explicação para a posse destes trabalhos, alegando que já depois da morte do pintor, em 1973, a sua viúva, Jacqueline, teria recorrido a ele e à sua mulher, Danielle, para ocultarem parte do espólio de Picasso que ficara nas suas mãos.

Ao contrário do seu testemunho inicial, no qual situara ainda em vida do pintor a alegada doação das 271 obras – 180 peças isoladas e um caderno com 91 desenhos –, Le Guennec contou agora em tribunal que, após a morte de Picasso, a viúva, Jacqueline, lhe pedira que guardasse entre 15 e 17 sacos do lixo com obras do pintor, e que foi só mais tarde, quando veio recuperá-los, que ofereceu um desses sacos ao casal Guennec, em sinal de apreço pela sua dedicação. Um sinal hoje estimado em 60 milhões de euros.

“Jacqueline Picasso tinha problemas com [o seu enteado] Claude” – o fotógrafo e realizador Claude Ruiz-Picasso, primeiro filho do casamento do pintor com Françoise Gilot –, explicou Le Guennec, hoje com 77 anos, sugerindo que a segunda mulher e musa do artista possa ter querido ocultar as obras dos restantes herdeiros ou evitar a sua inventariação para efeitos fiscais pelo Estado.

Le Guennec, que trabalhou para Picasso no início dos anos 70, montando alarmes anti-roubo nas várias propriedades que este possuía em França, assume agora não ter contado a verdade no primeiro julgamento, justificando-o com o receio de vir a ser acusado de cumplicidade com Jacqueline no que podia ser encarado como um roubo das obras.

A confiar em qualquer uma das suas versões, o casal Le Guennec teria conservado as obras durante cerca de 40 anos na garagem de sua casa, na Côte d’Azur, sem lhes ligar grande importância. “Eram desenhos, esboços, papéis engelhados”, descreveu o electricista reformado no seu depoimento incial. Teria sido só em 2009 que Le Guennec redescobriu este tesouro que alegadamente deixara esquecido num recanto da garagem, e que cobre um extenso período da produção de Picasso, entre 1900 e 1932, incluindo litografias, retratos, aguarelas e nove colagens cubistas que, só elas, estão avaliadas em 40 milhões de euros.

Intriga em família
Foi o próprio Le Guennec que revelou ao mundo a existência destas obras, que não eram conhecidas dos especialistas nem estão assinadas, quando as levou, ainda em 2009, aos administradores do espólio de Picasso, na expectativa de que estes as pudessem autenticar. As obras foram rapidamente reconhecidas como genuínas, e Claude Ruiz-Picasso, a sua irmã Paloma, a sua meia-irmã Maya Picasso (filha de Marie-Thérèse Walter), Catherine Hutin-Blay (filha de Jacqueline e enteada do pintor) e dois netos de Picasso apresentaram imediatamente uma queixa conjunta contra o casal.

Admitindo que Le Guennec roubara as obras ou as recebera sabendo que tinham sido roubadas, pedir ajuda aos herdeiros parece um passo bastante imprudente, mas a verdade é que havia um precedente. Um motorista de Pablo Picasso que se tornaria seu amigo, Maurice Bresnu, também possuía mais de 200 obras alegadamente oferecidas pelo artista, e quando as decidiu vender – curiosamente, só após a morte de Jacqueline Picasso, em 1986 –, foi Maya Picasso quem as autenticou.

Bresnu deixara o ofício de taxista, em Cannes, para entrar ao serviço de Picasso em 1967, tendo-se tornado um homem de confiança do pintor, a quem acompanhava para todo o lado, “como uma sombra”, segundo o testemunho do fotógrafo Lucien Clergue. O motorista e a mulher, Jacqueline, fizeram fortuna com as obras de Picasso, mas Bresnu, a quem o pintor chamava Nounours (urso de peluche), não teve muito tempo para a gozar, porque morreu em 1991. Já a sua viúva Jacqueline viveu até 2008, e após a sua morte apareceram mais umas dezenas de peças de Picasso que estavam na sua posse e não tinham sido vendidas.

Uma sobrinha de Bresnu, Dominique, e o seu marido, Bernard Lambert, um antigo vendedor parisiense de frutas e legumes, declararam em 2011 às autoridades francesas que ouviram várias vezes Jacqueline Breslu assumir que as obras eram roubadas. E acrescentaram uma informação que não ajuda muito a defesa de Pierre Le Guennec: quem conseguiu que Picasso o contratasse foi justamente Maurice Bresnu, cuja mulher Jacqueline era prima direita do electricista. Ora, Guennec afirmara no seu depoimento inicial que conseguira o trabalho respondendo a um anúncio, e até o confrontarem com o facto, nunca assumira qualquer relação de parentesco com os Bresnu.



fonte: 

https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/electricista-de-picasso-diz-agora-que-as-271-obras-foram-doacao-da-viuva-do-pintor-1749629

Nenhum comentário:

Consulta de opinão

ALBUM DE ITACOATIARA